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Hoje estou ainda mais perto.
Cumpri com mais uma jornada de tantos dias e vontades e sonhos e arrelias,
que também as há.
Hoje sinto-me mais além no tempo, percorridos tantos caminhos, reais, mentais,
alguns atalhos, que também os há.
Hoje sei que continuo um percurso, a que não vislumbro o horizonte, mas avanço,
com mais, com menos, com o que me for sendo possível dar e, no processo,
em troca receber.
Hoje, sou mais eu.
Sinto-me mais em sintonia com algo que não sei expressar, mas que me soma mais identidade.
Hoje, com mais idade.
Amanhã, depois e depois, sem pressa, mas a cada dia mais alinhado com um destino que me constrói,
alicerça e desvenda ao mundo.
Assim me vejo e sinto.
Hoje.
De que me serve dar-lhe início
se já lhe sei o fim?
Começa no zero, acaba no nada.
Ou antes ainda, para se precipitar num depois inexistente.
O que antes havia, depois haverá
sobrevivendo a cada novo começo e ao abismo em que cada um se precipitará.
Esta é a contabilidade, a realidade
insignificante e tão, mas tão, vazia
que não vale um sopro, não vale nada
onde começa e onde acaba.
Agora vês-me, agora já não.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
enquanto dás like àquele outfit
com um emoji avalias aquela receita
e de caminho tiras uma selfie à porta do café chique onde vais amiúde
caem bombas, drones explodem, rajadas de metralhadora despedaçam destinos
sem aviso, sem piedade, sem do trigo separar o joio dos inocentes
dessas crianças que sonhavam ser como tu, linda e feliz nessa selfie que a seguir partilhas com os amigos
amigos vivos, abençoados por estarem do lado de cá
que do outro lado deste mesmo mundo, teu e deles
as crianças que sonhavam ser como tu não têm esse direito
apenas a morte escrita no peito
sem culpa e sem idade
por entre os escombros da sua cidade
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
Aqui dormes,
descansas,
sob este sol abrasador que te toca e sente,
assim, indiferente.
Porque dormes e apenas sonhas.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
tu, que vais formosa e segura
carne exposta aos sete ventos
tem cautela na próxima esquina
dessa rua a que chamas tua
é que o mundo mudou
e a cobro da hora de inverno
olhos gulosos seguem essas tuas verdes curvas
esse teu sorriso lindo e inocente
que não sabe nem sonha
o que o espera lá mais à frente
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
também sei ser bruto, primário, ordinário
selvagem de duvidosos costados
que afloram a espaços
numa raiva tal, que nem água vai
é um estado que me deixa alterado
na hora em que me toma os colarinhos deste cavalheirismo esgotado
para cavalgar a ira que nele se esconde
sem ponta de vergonha, para mal dos meus pecados
aguardar já não é solução
a esperança fez as malas, emigrou
esta pólis está inquinada
às mãos sujas de governantes corruptos
num vício crescente de poder maligno
levado à cena em orgias escancaradas
mas cuidado, ó ditadores!
que os quase descrentes, no limite
espezinhados e já moribundos
também se elevam, revoltam e sabem ser brutos, primários
neles aflorando a besta feroz, sua derradeira voz.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
Que asco!
Que país este, ao que ele chegou.
Envergonha-me, dispõe-me mal, a mim e a milhões como eu
que num bote sem remos, que afunda a pique
enojados existimos, uns sobre os outros
em vielas e ruas que nem espaço possuem
comprimidos pela carga que pressiona e asfixia
a fiscal, a manipuladora, a ditadora
que se banha numa corrupção activa, a que assistimos de forma passiva
num país que já foi tão enorme
e que agora apenas dorme
ressona alto e arrota as memórias dos banquetes esbanjados com o dinheiro que é do estado
que é nosso
mas que nas mãos porcas e sôfregas das víboras no poder
ao povo deixa neste estado
sem casa, sem comida, sem condições para viver.
Vamos a sobreviver
até quando, vá-se lá saber!
Que asco!
Que país este, ao que ele chegou.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
Bate-me o sol
Quente e afável
Neste amanhecer louvável
Mas como? Num cenário assim
posso sentir-me esmagado
triturado, coração estraçalhado
Irrompe, sem freio
Com tamanho fulgor
por entre o calor
por entre as pétalas luzidias da manhã
por entre os ninhos que escondem a preguiça do primeiro voo
o ar arrefece
este meu peito estremece
é a vida
que mais forte e pujante
simplesmente acontece
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
O escuro toma a luz
Asfixia-lhe a vontade
De assalto espezinha a erva
Num rasto que não deixa saudade
Metódico infecta
Em linha recta
Sem olhar a quem
Nos ossos deposita a humidade
Com todo o seu desdém
Esse breu informe veste-me
da cabeça aos pés
tudo ao seu redor fenece
quem julgas tu que és?
Que se é estado de direito, quero-o esquerdo
Que se é cacofonia, quero uma sinfonia
Que se é morte por asfixia, quero-a por alegria
Que eu quero é ver acontecer
Cansado que estou de dar e nada receber
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)