por migalhas, em 24.02.24
hoje faço anos
nasci faz tempo e nem dei por ele, entretanto
aqui cheguei, qual naufrago
para a missão que me foi atribuída
sem roupa ou noção, logo chorei
como que a prever
dei os primeiros passos e fui andando
e nem dei por aquilo que andei
era tudo mais fácil, era um mundo adiante
eram sonhos e ambições
era uma vez, como nas histórias
e hoje faz anos que aqui cheguei
o naufrago envelheceu
a ilha como que encolheu
e com ela o tempo
e a distância que falta andar
hoje já sei andar, mas tropeço de vez em quando
já sei falar, mas evito-o
já me canso e sinto o avanço
disfarço este aperto e dou por mim a recuar
a recordar
de novo a chorar
será por que nasci faz tempo?
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 16.02.24
és a minha pequenina, és a minha menina
és sonho feito realidade, és anos que somas à minha idade
marcas tu agora o tempo, és dia, és noite, és meu alento
estás aqui, estás ali, mas é neste peito que vives em permanência
neste desejo que é urgência
de te ver seguir adiante, confiante
orgulhoso de quem tu és
tanto, tudo e mais ainda
a minha menina, a minha pequenina
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 14.02.24
de início, ferozes
as folhas da vida correm velozes
incentivadas pelo querer e tudo poder
galopam bravas a ânsia desmedida
a meio caminho travam o passo
não mais estugado, algo cansado
é hora de abrandar, de pensar
de entender a manta e descansar
depois adiante, ao retardador
esmorece a vontade, maior o dissabor
enorme o desejo em recuar
a tempos que se recusam a voltar
que o querer rejuvenescer paira a certa altura
entre a terra e o céu a que ascenderemos
corre no curso inverso que é o do tempo
nesse portento de força em contramão
que a vida é um fantoche sem jeito
que a reboque do tempo se espreguiça no seu leito
e nele se materializa
nele se realiza
nele se avista tão longe quanto o dia em que se precipita
ela que se julgava infinita
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 12.02.24
Ao retardador
As folhas da vida assim avançam, embaladas pela brisa de final de tarde
Duas adiante, uma de quando em vez atrás a recuperar memórias quase perdidas
Sobre um pequeno banco, estrutura de madeira, assento de vide
Um breve e merecido repouso
Um recuo ao que foi
Em tempos que não voltam mais
Senão numa folha que volta atrás
A recuperar o que não quer ver esquecido
No curso inverso do tempo
Força em contramão
Num leito de águas revoltas
Fugaz deleite pousado naquele dente de leão
Que segue por que empurrado
Ele adiante, até que travado
No seu voar encantado
Qual vida que segue perplexa a reboque do tempo
E nele se materializa
Nele se realiza
Nele se avista ao longe
E um dia se precipita num regresso que jamais
Tarde demais
Tudo esquecido
Perdido
Ao retardador
Até que o fim
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 06.02.24
Esta é a minha mais recente edição de autor. Um pequeno livro que reúne alguma da obra poética por mim produzida nos últimos anos, devidamente "ilustrada" por outra das áreas artísticas a que me dedico amiúde, a colagem.
Se pretender adquirir um exemplar desta peça de arte única e irrepetível, a mesma tem o custo de 10€ + portes de envio e pode encomendá-la directamente a mim em resposta a este post.
por migalhas, em 02.01.24
acabo de morrer
deixei de olhar, de ver
o meu pénis entesa-se na perspectiva de me sobreviver
é dor, é prazer
num duelo de forças que não permite saber
quem sobrevive, quem no fim irá perecer
pesado ficou o ar
assim a terra, fogo e mar
deposta a derradeira vontade
num augúrio de imparável mortandade
coisa cortante, matéria nefasta
que a todos arrasta
a todos dilacera, nunca pela metade
sem credo ou idade
qual canto do cisne
capítulo final
assunto encerrado
pena capital
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 29.12.23
desespero
pelo que não vejo, pelo que não sinto
desespero
por esta névoa que tudo me oculta
me cala a voz e a visão impede
desespero
porque não te entendo, nem quero
porque vivo surdo e mudo e nunca acordado
porque não sinto outro estado que este de viver amarrado
mãos, pés, pensamentos
tantos os tormentos
que em mim habitam enclausurados
desespero
pelo que não se vê, não se sente
mas oprime, asfixia
subtrai vida a nascente, vida subtrai a poente
na maré cheia, na maré vazia
sem tréguas ou misericordiosa compaixão
desde a tenra hora, à hora de me unir a este chão
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 27.12.23
Acordei e morri.
Nem um suspiro, um sussurro e faleci.
Um instante, uma efémera memória, foi tudo o que ficou de mim.
E a terra húmida a cobrir-me o corpo nu.
A ver-te partir, vida que nem vivi.
Olhos raiados, cegos, surdos e mudos de tudo aquilo que nunca vi.
Ali especados, incrédulos, a olharem o mundo como só eu o vi.
Que carrego tão leve é este, que nem o senti?
Foi por viver breve?
Que nada, nem ninguém.
Apenas o diabo que me leve.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 30.11.23
por quantos infernos já passei?
enclausurado ao mundo empírico e por ele ignorado
dele repelido como um escravo a que nada é permitido
nesta vida que nos cobra cada registo falhado
em papel timbrado, em folhas repassadas e com elas a história
o tempo que se escoa e eu com ele
de tudo afastado e neste estado omitido
que o nada se interpõe e de mim faz troça
ao que faço faz vista grossa
e cínico no ar espalha a mentira
que repetida aos sete ventos se torna verdade
maior a crueldade
para quem se queria parcela deste mundo
mas nele perdeu quanto tinha
a fé, a esperança, a identidade
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 28.11.23
há uma ideia da morte
feita apenas em vida
de que ela nos é devida
como coisa merecida
no fim desta corrida
que um dia nos foi oferecida
como a mão da noiva comprometida
a que juramos fidelidade indefinida
como indefinida é a vida
e essa morte prometida
como cada passo que nos conduz
de um extremo ao outro desta linha em que avançamos
rumo à luz
que, por fim, alcançamos
às cegas, é certo
que nada é o que julgamos
de identidade indefinida
o que faz, faz sem maldade
como coisa merecida por esta vida oferecida
que não escolhe idade
ou tempo de validade
agora e na hora da nossa
seja feita a sua vontade
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)