Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
A confirmação que faltava.
Agora só fica a faltar a vossa presença, algo que muito me encheria de alegria.
Quem quiser e puder aparecer nesta data, lá me encontrará a tentar dar o melhor num evento que, espero, seja, não do tamanho da minha altura mas sim, do tamanho dos meus sonhos.
Conto convosco?
É tempo de sentirmos frio
mas quem nos abraça é o calor!
É tempo de brilhar a chuva
mas quem actua é o astro sol!
É tempo de dias cinzentos
de nuvens escuras, céu carregado
depressões, constipações
urgências à nora, por todo o lado
Mas o que se vê são esplanadas cheias
areais de gente feliz em fato de banho
esquece lá as botas e as meias
viva a vitamina B12, abaixo o ranho!
Acabou o tempo com rótulo
Já nada é o que deveria
Andamos ao sabor da maré
Nós, os responsáveis por esta anomalia
Assobiámos para o lado por tempo demasiado
Virámos as costas às evidências
Quisemos tudo sem olhar a meios
Resta-nos agora as consequências
Fizemos trinta por uma linha
Desrespeitámos a natureza
Deixámos o planeta feito num oito
Para vivermos hoje esta incerteza
Rezem agora, rezem
Que deus algum nos vai ajudar
Vestimos a pele do diabo
E é com ele que vamos acabar
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
Afago o vento
Que por entre os dedos se esvai
Ser dócil enquanto brisa
Tumultuoso em vendavais
Vais onde, oh endiabrado!
Nesse teu rumo libertino
Obstinado, ritmo cadenciado
Dono e senhor do teu destino
Tu que não tens pernas, nem pés
Mas corres à velocidade que te apraz
De ponta a ponta, de lés a lés
Onde queres, vais
E a todos te dás
Tu que não te quedas por barreiras
Tu que personificas a liberdade
Tu que não conheces fronteiras
Nem tão pouco se te conhece a idade
Moderado, és forte, és vendaval
És como mais nada, assim igual
És fúria rebelde em movimento
És tudo em todo o lado ao mesmo tempo
És tu a ser vento
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
mal tem filhos, a mulher desliga o vínculo de intimidade que até então mantinha com o seu companheiro
como se dele esperasse apenas a continuidade sua em forma de criança e nela se visse e passasse a integrar em permanência
quanto ao homem, resta-lhe a esperança de dias em que ela sobre ele relembre o antigo desejo e nele ainda veja quem capaz de lho saciar
que depois segue-se a terceira idade e daí para diante o que era mendigues, moribundo se torna de vez
então já na mão de netos e bisnetos, da prole que do sexo se perfez e que, involuntariamente, o aniquilou de vez.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2014)
“O que é natural e fica bem é cada um usar o cabelo com que nasceu”. Passava em pescadinha, naquela velha televisão. Um anúncio, também ele com alguma idade, sobre um restaurador capilar que, nas palavras do locutor, usado diariamente dava ao cabelo a sua cor primitiva. A humidade daquela mal iluminada cave não permitia que o odor pestilento se desvanecesse. Agrilhoados às paredes, quase lado a lado, múltiplos corpos em putrefação testemunhavam a publicidade enganosa daquele elixir capilar. Qual cor primitiva, se nem o cabelo lhes sustinha nas cabeças. Dezenas de embalagens vazias jaziam pelo chão imundo. O passar dos anos havia-as deteriorado e, numa combinação de todo improvável, transformado num ácido altamente corrosivo. Ele bem tentou provar que a promessa se mantinha válida. Mas a morte do produto haveria de levar a tantas outras. Fechou a pesada porta metálica com estrondo e saiu à rua. A luz do dia feriu-lhe a vista. Inspirou fundo e, frustrado, avançou pelo passeio deserto.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
O estrondo foi evidente. Os olhares seguiram-no. Houve sobressaltos, os típicos sustos. Crianças pequenas correram assustadas na direção dos pais. Boquiabertas, algumas pessoas retraíram-se. Ninguém se mostrou indiferente ao alvoroço provocado. Na loja, a empregada prontamente pegou no frágil manequim e ergueu-o do chão. Colocou-o de volta à posição de sempre, a vertical. Com ele, erguera-se igualmente a dignidade momentaneamente perdida. Recompostas, as pessoas seguiram os seus destinos. Aquele incidente era já passado. A vida apelava à normalidade, ao regresso urgente desta e a esta. O manequim ali continuaria a sua missão. Vestido, despido, mas sempre em pé. De preferência.
© Copyright Miguel Santos Teixeira - Agosto 2024
Confronto-me com aquele ser na cruz e partilho da sua dor. Também eu fui brindado em vida com uma pesada cruz que arrastei a cada dia da minha existência e que tem sido presságio da minha morte anunciada. Também eu fui flagelado e milhentas chagas se me abriram em rios de sangue que verti em direcção ao imenso mar onde me vejo submergir a cada espaço de tempo. Não deveria haver permissão para tamanho sofrimento. À flor da pele ou profundo como o abismo em que nos deixamos cair, atraídos pela tentação, pela vida de ficção com que julgamos iludir a realidade. E esta não é a minha realidade. Fechado entre quatro paredes de um quarto nu, de tudo despojado. Agradeço a dádiva, a esperança em mim depositada, a ajuda que me foi dada sem nada exigir em troca senão a minha redenção, a minha abnegação à vida de pecado a que me submeti e que tem impregnado os meus dias. Lamento desapontá-los guardiões da fé, da crença num poder do além, mas essa promessa jamais a poderia cumprir. Pois não é esta a minha realidade. Sou animal selvagem e não admito cativeiro algum. Ninguém nem nada me priva da liberdade que me percorre as veias, que me permite respirar. Nem que isso signifique a morte. Pois também ela é libertação. A suprema libertação.
Excerto do projecto "Crónicas de Serathor", de Miguel Santos Teixeira.
De quem vieram as ordens para avançar com a revolução?
Pouco se sabe.
Mas pressões de um insatisfeito grupo de militares, podem ter despoletado o processo.
Queriam a mudança, o corte com a ditadura, mas sem derramamento de sangue.
Para mostrarem ao mundo que era possível cortar sem fazer feridas.
O pai, militar orgulhoso de ter integrado a bem-sucedida operação, mostrou ao filho a metralhadora.
A G3, com o cravo cravado no cano a travar a saída de uma munição que fosse.
O filho, sem perceber o que se passava, mas visivelmente contagiado pelo entusiasmo do pai, pegou no cravo e cheirou-o.
O pai baixou a guarda e agora o cravo já nada podia deter.
Nem mesmo a bala, que, fatalmente, o atingiu pelas costas.
Lá fora, a celebração subia de tom.
Já no chão desta casa, um outro tom, este vermelho sangue, desabrochava.
Inocente, a criança olhou o pai inerte, o soldado tombado.
Era dia de festa.
© Copyright Miguel Santos Teixeira
hoje faço anos
nasci faz tempo e nem dei por ele, entretanto
aqui cheguei, qual naufrago
para a missão que me foi atribuída
sem roupa ou noção, logo chorei
como que a prever
dei os primeiros passos e fui andando
e nem dei por aquilo que andei
era tudo mais fácil, era um mundo adiante
eram sonhos e ambições
era uma vez, como nas histórias
e hoje faz anos que aqui cheguei
o naufrago envelheceu
a ilha como que encolheu
e com ela o tempo
e a distância que falta andar
hoje já sei andar, mas tropeço de vez em quando
já sei falar, mas evito-o
já me canso e sinto o avanço
disfarço este aperto e dou por mim a recuar
a recordar
de novo a chorar
será por que nasci faz tempo?
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)