por migalhas, em 27.08.24
É tempo de sentirmos frio
mas quem nos abraça é o calor!
É tempo de brilhar a chuva
mas quem actua é o astro sol!
É tempo de dias cinzentos
de nuvens escuras, céu carregado
depressões, constipações
urgências à nora, por todo o lado
Mas o que se vê são esplanadas cheias
areais de gente feliz em fato de banho
esquece lá as botas e as meias
viva a vitamina B12, abaixo o ranho!
Acabou o tempo com rótulo
Já nada é o que deveria
Andamos ao sabor da maré
Nós, os responsáveis por esta anomalia
Assobiámos para o lado por tempo demasiado
Virámos as costas às evidências
Quisemos tudo sem olhar a meios
Resta-nos agora as consequências
Fizemos trinta por uma linha
Desrespeitámos a natureza
Deixámos o planeta feito num oito
Para vivermos hoje esta incerteza
Rezem agora, rezem
Que deus algum nos vai ajudar
Vestimos a pele do diabo
E é com ele que vamos acabar
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
por migalhas, em 21.08.24
mal tem filhos, a mulher desliga o vínculo de intimidade que até então mantinha com o seu companheiro
como se dele esperasse apenas a continuidade sua em forma de criança e nela se visse e passasse a integrar em permanência
quanto ao homem, resta-lhe a esperança de dias em que ela sobre ele relembre o antigo desejo e nele ainda veja quem capaz de lho saciar
que depois segue-se a terceira idade e daí para diante o que era mendigues, moribundo se torna de vez
então já na mão de netos e bisnetos, da prole que do sexo se perfez e que, involuntariamente, o aniquilou de vez.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2014)
por migalhas, em 06.10.23
que a vida é um fantoche sem jeito
que a reboque do tempo se espreguiça no seu leito
e nele se materializa
nele se realiza
nele se avista tão longe quanto o dia em que se precipita
ela que se julgava infinita
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
por migalhas, em 01.06.23
É a civilização quem ordena erguer cidades, exige derrubar árvores.
É ela quem estende viscosos tentáculos até onde o vento se sente escassear.
Espreito esta nesga de tempo enquanto posso
e nela refugio o olhar cansado que ainda consigo.
Aqui estou perdido.
Eu e a mente por onde ecoam as vozes, tantas quantas as perdidas, como eu
distante que nem os passos todos que pudesse ainda dar
este tempo fez-se tempo passado
filho bastardo de um rumo há muito também perdido
que da vida já nem sinal.
“Mas não faz mal, pois não?”
Na inocência de quem é criança e nunca deveria deixar de o ser.
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por migalhas, em 30.05.23
por migalhas, em 26.05.23
por migalhas, em 21.11.17
Para diante é-se mais e cada vez melhor?
Ou definha-se, uns compassadamente outros de rajada, e nesse processo é-se tomado de um decréscimo que por nos ser tão doloroso e impensável nos recusamos a aceitar?
É a experiência um real acumular de sabedoria ganha com o passar dos anos ou mera prosa de quem sabe que, mais dia menos dia, será ultrapassado e definitivamente esquecido?
Que tudo tem um limite. Por uns tempos é sempre a subir, é o gráfico do crescimento e eis que a crise, a da idade, se instala e o gráfico inverte a sua tendência, esmorece e vem por aí abaixo, tudo levando adiante, sabedoria, experiência, sanidade, lucidez.
E então aquilo que por uns tempos nos deu valor, mérito, nos fez ser respeitados, nos atribuiu carga, estatuto, autoridade, desaba e em cacos nos faz, coisa perene que viveu um sonho breve e agora ao nada voltou, num ciclo que é sempre igual, sempre assim, tristemente humano.
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)