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Há um duplo de mim
Igual, tal e qual
Que espreita a cada esquina
Me olha e copia
Mas que em pouco ou nada se associa
Ou de mim sequer se aproxima
Esse duplo
Que dizem existir
É esforçado, lá isso é
Assemelha-se, aqui e ali
Mas fica-se por aí
Qual cópia de mim!
Nem nada que se pareça
Que o tire da cabeça!
Uma mera contrafacção
Um artigo em segunda mão
A fazer-se passar pelo original
Mas tristemente igual
Nem cuspido, muito menos escarrado
Tão longe está
Mais longe fica
Quando comparado
Ele, que nem ares dá
Pobre coitado
Que como eu, só mesmo eu
Irrepreensível peça única
sem volta a dar
Ou forma de copiar
Louvada joia
Entre os seus pares
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2023)
Em revoadas
Sem tempo definido
Ao longe a memória
Em fagulhas de um ardor doente
Como farpas de um amor quente
Que não se olha
Mas que se sente
E assim o corpo, dormente
E depois, quando já nada nem ninguém
No coração de uma qualquer noite
Os rostos sucedem-se
Tocam os sinos a rebate
E no cerne dessa fúria
Surgem então à tona
Esses ses tão espessos
Breu que alumia
Esta espécie de agonia
Que sem tempo definido
E em revoadas de uma sarcástica dor
Não deixam dúvidas
Mas o corpo assim, e também a mente
dormente
© Copyright Migalhas (2014)
Alimenta o fogo
Alimenta-o bem
Dá-lhe o que ele gosta e vê-o crescer
Ele que tudo consome
Seja carne
Da tua, da minha
Ou carne seja
Que nunca é demais, pois nunca sobeja
Servida à gula do seu ser
No cerne do que ele é
Besta irada em dança de labaredas
Num apelo de sofreguidão incansável
Ele insaciável
Ele monstro infernal que no calor da emoção se consome
E a vida obscurece num negrume que transparece
Desse seu modo violento de quem chama ardentemente
De quem se sabe demente
E não recua jamais
Que o seu fito é para a frente
Obcecado, doente
Até se fazer distante
Passado, história
Um rasto de cinzas ao vento
Extinto o momento
© Copyright Migalhas (2016)
Casca de noz
Numa dessas, rio abaixo
Sigo eu, ao sabor de quantas correntes o formam
O entroncam e lhe conferem vitalidade
Ele, tão mais volumoso
Caudal decidido, impetuoso
E eu, tão à deriva
Sem norte, nem sorte
A depender-lhe da vontade
De me ver adiante ou a seus pés sufocado
Que nem ser assustado
Que nem humano castigado
A si subjugado
© Copyright Migalhas (2016)
ruínas habitam-me o peito
destroços esquecidos do que um dia foi pedra de toque a cada nova aurora
hoje pedra fria que apenas chora
naufraguei, a certa altura da vida
não sei quando, nem porquê
apenas que não saro esta ferida
que profunda se sente, pior se vê
ao longe olho o mar e invejo o seu respirar
mais longe ainda procuro um ponto onde me ausentar
não que sossegue ou apazigue este sofrer em mim encarnado
mas deixa entreaberta a porta que me há-de ser a fuga
quem sabe a cura
para esta loucura
que se contorce, geme e queixa
e a reboque da sua dor leva a minha
e sem consolo a deixa
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)