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100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Ler o Outono

por migalhas, em 02.10.19

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E por que o atravessamos, nada como entendê-lo pela escrita de Ali Smith. Leitura obrigatória e de todo oportuna, numa época pós-Brexit em que a autora se questiona sobre o nosso tempo a partir da amizade de duas pessoas com 70 anos de diferença. Um romance que comove pela simplicidade e exercício poético acerca de como ler um mundo onde somos muito frágeis.

Fica ainda a referência à presença deste romance entre os 100 mais importantes do século XXI, na óptica do The Guardian (ver post anterior).

Boas leituras e um excelente Outono.

https://www.elsinore.pt/livros/outono

és tu ou tono?

por migalhas, em 23.09.11

és tu ou tono?

chegas por que segues ordens do calendário ou tono?

trazes contigo a paixão de um tempo de transição ou tono?

vens tu preparado para esta estada ou tono?

trazes contigo a missão bem estudada ou tono?

 

sejas aquele que te apresentares, que sejas a ponte para mais adiante chegarmos

que sejas tempo e tono que convença à mudança

que nos traga a inspiração mesmo que em cinzento

mas que nos sejas sustento de um amanhã mais a contento

para que sejamos mais nós

e tu mesmo, outono

 

inédito de migalhas (100NEXUS_2011)

Lá fora empalidece

por migalhas, em 28.10.08

O Outono empalidece.
Tudo à sua volta se redobra em esforços inúteis e é o cinzento quem mais molesta.
Uma pausa, uma sensação de que as ruas passam por nós e não nós por elas.
E as pessoas? Por quem passam as pessoas?
Por outras pessoas, embora não as olhem nos olhos.
E os dias a observarem. A observarem tudo atentamente e cada novo passo de quem passa pelos dias e nem a estes os olha nos olhos.
Dias em que o céu se rasga e nele laivos de um tempo que parece estagnado. Como as águas paradas de um esgoto a céu aberto, rasgado, ferido de morte por um golpe que lhe foi profundo em demasia. E dele a soltarem-se mil almas, a erguerem-se quantas vidas dizimadas e os dias a observarem, atentamente a observarem, sem nada acrescentarem senão o tempo que derramam como lama de uma enchente que tudo submerge à sua passagem.
E lá fora, enquanto anoitece, o Outono empalidece.
E do alto desse Outono, que esmorece, indigente, folhas cansadas da uma vida incerta lançam-se na incerteza de uma outra, quais gárgulas fantásticas, empedernidas figuras que nos beirais se reúnem em bandos de um esplendor assustador para se abeirarem do dia e dele fazerem eterna noite.
E tudo a empalidecer, mesmo aos olhos de quem não olha nada, nem nos olhos. Em redor de um tempo que só espera pelo Inverno seguinte para se intrometer em quantos corações, com a ligeireza do gume afiado que nem se sente, depois dormente e por fim, já perto da morte, tudo escurece, quantos dias, todos os dias, daí para a frente.

Dias de Outono

por migalhas, em 27.09.07

Trazem com eles o peso de acontecimentos recentes, ainda quentes.

Memórias com dias de vida, sonhos que ganharam vida, a própria vida que se ganhou nos dias recentes.

Urgentes, pois que o ciclo assim o exige.

Surgem perversos na sua calma.

Destoam dos que deixam para trás, felizes, onde tudo foi possível.

Vestem novos tons e neles encontro um desdém involuntário, um sarcasmo que não é maldoso, mas que é presente.

O Verão morreu.

Segue-se o Outono.

É assim, sempre foi e será.

A sequência repete-se, a tristeza que nos amolece.

Olhamos e recordamos já saudosos, ausentes em parte certa, a que repousa logo ali, num passado à distância de um sorriso que se desfaz, naturalmente. Os dias mirram, os dias escurecem, a alma canta, desafinada.

Olha-se o céu num desespero angustiante, acompanha-se o percurso sinuoso daquela gaivota, na sua pose esvoaçante, sem compromissos, senão com o ar que cruza, errante. 

Tudo se arrasta, se alonga, o tempo encurtado parece doente.

Ou será a nossa mente?

Que agora sente o deserto que tem pela frente?

São dias de Outono, ao mês nono.

Oferendas de um tempo renascido, um punhado de horas nunca repetido.

Neles se esconde vida, neles encontro a minha e quando os recordar, após a sua partida, será com a mesma saudade de todos os outros.

De cada um que ficou, que foi presente e por instantes em si me reteve.

Contemplo estes, dias de Outono, da mesma forma que contemplo todos, dias após os dias.

Porque a vida são todos e cada um.

A soma de quantos merecemos.

Folhas de Outono

por migalhas, em 08.01.07

Eu hoje vi alguém que varria do chão as folhas de Outono.

Mas hoje nem é Outono.

É Inverno, frio Inverno.

Mas eu sei que vi, eu sei o que vi, e era alguém que do chão as varria.

As folhas de Outono.

Como se isso o fizesse esquecer.

Como se varrê-las servisse de algum consolo.

Ele partiu e para trás deixou apenas a sua assinatura tardia.

Folhas de Outono pelo chão dispersas.

Folhas que alguém varria e reunia em montículos.

Montículos que apenas por instantes se mantinham, logo desfeitos pelo vento invernal. Frio, insensível, corrosivo.

Eu hoje vi alguém que varria do chão as folhas de Outono.

Para quê? Questionei-me.

De que servia tentar juntá-las, se eram em separado que se completavam?

Viveram sós, não viveram? Então sós morrerão. Como todos nós.

Como aquele alguém que as recolhia.

As folhas castanhas e secas de um Outono passado.

Que eu hoje vi, no asfalto recordado.