por migalhas, em 18.04.24
sabes que horas são?
Um cigarro ajudava à questão
faz-se fumo e desvanece-se a ocasião
e o tempo não parou, nem por isso
olho os ponteiros e vejo-os em fuga
tinha-te mesmo aqui
à distância da minha mão
mas bastou falar das horas
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 15.04.24
Nada é meu
Da mesma forma que nada é teu
Ou de alguém
A possessão é algo que nos morre
Que finda junto com a nossa morte
Ter, possuir, é meu, é teu, na verdade não é de ninguém
É antes perpétuo, do universo e por isso resiste aos nossos dias
Não é meu, não é teu, nem sequer de alguém
É engano pensar que o detemos, seja o que for, quem for
Nada nos pertence
Hoje, ontem em tempo algum
Somos o que somos e de passagem estamos
Tudo é ilusão, desde o que pensamos que podemos ao que julgamos
que temos
Nada de nada
Nesta estada de milésimos, nem o que contemplamos nos acompanha
Nem isso nem qualquer façanha
Tudo é cenário, apenas paisagem
Que na nossa memória, apenas e só, ilustra a viagem
© Copyright Miguel Santos Teixeira
por migalhas, em 11.04.24
voava alto, se pudesse
ia para lá de onde se esquece
e fazia ninho, mas sem me quedar
que o que eu quero é voar
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 08.04.24
a honestidade não se compara à chuva
embora eu a dance sempre que a sinto
a celebre como bênção herdada do fel
da dor que dói de todas as vezes que te minto
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 04.04.24
nas asas daquelas famigeradas linhas
escrevi-te um verso sem nexo
que nunca sequer te vi
nem de longe
menos ainda de perto
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 21.03.24
alma de poeta
a poesia
na boca do poeta
do ser sofrido ou de coração partido
todo ele por arames
preso às palavras, à sua fúria e encanto
no espanto, na dor, num estado predestinado
uma voz que se convoca
que quando fala, choca
que é gume de faca, de espada
afiada lâmina que ama o sangue e deseja vê-lo jorrar
para depois se deitar a chorar
pobre alma
tão exausta desta vida nefasta
a vida do poeta
a desgraça que o abraça
ele é de nada e nesse nada se eleva
sobe à lua e volta
percorre universos e espaços infindos
habita seres e veste personagens
usa after shave e saias travadas
escreve como vomita e nele tudo é indigesto
vive cansado e cansado de viver, sufoca
com as palavras que verte de um trago
e o deixam ainda mais inconformado
pobre alma
a do poeta
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 15.03.24
nem sei que restos são estes
que nem ossos, que nem espinhas
sobras de um dia, de todos
que me enchem de uma monotonia
de uma intensa tristeza no vazio que são
como o estômago em fome
como o riso disforme
como nada, que nada se perfaz
e que arrasto preso a correntes
preso nesta existência de nula consistência
que não a previ assim
fria, indiferente, uma assombração pendente
na pele deste fantasma que sou eu
num manto de invisibilidade que me oculta desta selva
bendita sejas pelo mal que fazes
que em mim é o bem que sabes
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 24.02.24
hoje faço anos
nasci faz tempo e nem dei por ele, entretanto
aqui cheguei, qual naufrago
para a missão que me foi atribuída
sem roupa ou noção, logo chorei
como que a prever
dei os primeiros passos e fui andando
e nem dei por aquilo que andei
era tudo mais fácil, era um mundo adiante
eram sonhos e ambições
era uma vez, como nas histórias
e hoje faz anos que aqui cheguei
o naufrago envelheceu
a ilha como que encolheu
e com ela o tempo
e a distância que falta andar
hoje já sei andar, mas tropeço de vez em quando
já sei falar, mas evito-o
já me canso e sinto o avanço
disfarço este aperto e dou por mim a recuar
a recordar
de novo a chorar
será por que nasci faz tempo?
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 22.02.24
no encantamento do mar revolto
me torno omisso
na fúria de uma natureza animal
me perco
nas malhas de uma rede que me capta a essência
me liberto
na fria rebeldia de um manto eterno
eu descanso
ao mar, ao mar
intrépido oceano que se abre de par em par
eu, homem, me lanço
me entrego, sem receios ou dúvidas
que a vida é um curso de água que desemboca num rio
nele circula por entre vales sem nome
para no mar desaguar
e neste se espraiar e naufragar
morrendo, por fim, nessa fundura infinita
de uma beleza inaudita
assim seja, bendita.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 20.02.24
no sepulcral cair da noite
no tumulto que se queda e finda
no silêncio que se apraz agradado
neste fim que aqui jaz agendado
até novo ciclo de tudo de novo
e de nada que se compadece
na orla de um céu que nunca entristece
jamais envelhece
apenas se ergue e deita
se acende e ofusca
na sequência que são os dias e as noites e o tempo
que corre lesto, na pressa de se fazer maior ainda
de tanto que já é e tem
que nem a memória nem ninguém
para lhe dizer basta
são horas, mas de te acalmares
de esse ímpeto furioso refreares e simplesmente apreciares o que são os teus filhos
minutos, segundos
escassas parcelas que de ti se perfizeram
mas que agora somente esperam
por um singelo momento de contemplação
de uma pausa na quietude destas planícies sem fim
onde parar não é morrer
onde tudo se remete à expiação
impassível face ao perdão
impossível
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)