por migalhas, em 15.03.24
nem sei que restos são estes
que nem ossos, que nem espinhas
sobras de um dia, de todos
que me enchem de uma monotonia
de uma intensa tristeza no vazio que são
como o estômago em fome
como o riso disforme
como nada, que nada se perfaz
e que arrasto preso a correntes
preso nesta existência de nula consistência
que não a previ assim
fria, indiferente, uma assombração pendente
na pele deste fantasma que sou eu
num manto de invisibilidade que me oculta desta selva
bendita sejas pelo mal que fazes
que em mim é o bem que sabes
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 24.02.24
hoje faço anos
nasci faz tempo e nem dei por ele, entretanto
aqui cheguei, qual naufrago
para a missão que me foi atribuída
sem roupa ou noção, logo chorei
como que a prever
dei os primeiros passos e fui andando
e nem dei por aquilo que andei
era tudo mais fácil, era um mundo adiante
eram sonhos e ambições
era uma vez, como nas histórias
e hoje faz anos que aqui cheguei
o naufrago envelheceu
a ilha como que encolheu
e com ela o tempo
e a distância que falta andar
hoje já sei andar, mas tropeço de vez em quando
já sei falar, mas evito-o
já me canso e sinto o avanço
disfarço este aperto e dou por mim a recuar
a recordar
de novo a chorar
será por que nasci faz tempo?
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 22.02.24
no encantamento do mar revolto
me torno omisso
na fúria de uma natureza animal
me perco
nas malhas de uma rede que me capta a essência
me liberto
na fria rebeldia de um manto eterno
eu descanso
ao mar, ao mar
intrépido oceano que se abre de par em par
eu, homem, me lanço
me entrego, sem receios ou dúvidas
que a vida é um curso de água que desemboca num rio
nele circula por entre vales sem nome
para no mar desaguar
e neste se espraiar e naufragar
morrendo, por fim, nessa fundura infinita
de uma beleza inaudita
assim seja, bendita.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 20.02.24
no sepulcral cair da noite
no tumulto que se queda e finda
no silêncio que se apraz agradado
neste fim que aqui jaz agendado
até novo ciclo de tudo de novo
e de nada que se compadece
na orla de um céu que nunca entristece
jamais envelhece
apenas se ergue e deita
se acende e ofusca
na sequência que são os dias e as noites e o tempo
que corre lesto, na pressa de se fazer maior ainda
de tanto que já é e tem
que nem a memória nem ninguém
para lhe dizer basta
são horas, mas de te acalmares
de esse ímpeto furioso refreares e simplesmente apreciares o que são os teus filhos
minutos, segundos
escassas parcelas que de ti se perfizeram
mas que agora somente esperam
por um singelo momento de contemplação
de uma pausa na quietude destas planícies sem fim
onde parar não é morrer
onde tudo se remete à expiação
impassível face ao perdão
impossível
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 16.02.24
és a minha pequenina, és a minha menina
és sonho feito realidade, és anos que somas à minha idade
marcas tu agora o tempo, és dia, és noite, és meu alento
estás aqui, estás ali, mas é neste peito que vives em permanência
neste desejo que é urgência
de te ver seguir adiante, confiante
orgulhoso de quem tu és
tanto, tudo e mais ainda
a minha menina, a minha pequenina
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 14.02.24
de início, ferozes
as folhas da vida correm velozes
incentivadas pelo querer e tudo poder
galopam bravas a ânsia desmedida
a meio caminho travam o passo
não mais estugado, algo cansado
é hora de abrandar, de pensar
de entender a manta e descansar
depois adiante, ao retardador
esmorece a vontade, maior o dissabor
enorme o desejo em recuar
a tempos que se recusam a voltar
que o querer rejuvenescer paira a certa altura
entre a terra e o céu a que ascenderemos
corre no curso inverso que é o do tempo
nesse portento de força em contramão
que a vida é um fantoche sem jeito
que a reboque do tempo se espreguiça no seu leito
e nele se materializa
nele se realiza
nele se avista tão longe quanto o dia em que se precipita
ela que se julgava infinita
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 12.02.24
Ao retardador
As folhas da vida assim avançam, embaladas pela brisa de final de tarde
Duas adiante, uma de quando em vez atrás a recuperar memórias quase perdidas
Sobre um pequeno banco, estrutura de madeira, assento de vide
Um breve e merecido repouso
Um recuo ao que foi
Em tempos que não voltam mais
Senão numa folha que volta atrás
A recuperar o que não quer ver esquecido
No curso inverso do tempo
Força em contramão
Num leito de águas revoltas
Fugaz deleite pousado naquele dente de leão
Que segue por que empurrado
Ele adiante, até que travado
No seu voar encantado
Qual vida que segue perplexa a reboque do tempo
E nele se materializa
Nele se realiza
Nele se avista ao longe
E um dia se precipita num regresso que jamais
Tarde demais
Tudo esquecido
Perdido
Ao retardador
Até que o fim
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 06.02.24
Esta é a minha mais recente edição de autor. Um pequeno livro que reúne alguma da obra poética por mim produzida nos últimos anos, devidamente "ilustrada" por outra das áreas artísticas a que me dedico amiúde, a colagem.
Se pretender adquirir um exemplar desta peça de arte única e irrepetível, a mesma tem o custo de 10€ + portes de envio e pode encomendá-la directamente a mim em resposta a este post.
por migalhas, em 18.01.24
Sorrir é uma utopia
Sorrir é uma utopia
Sorrir de quê?
Lá piada, tem
Saber que agora estou, agora fui
E o que ficou?
Choros? Lágrimas?
Ou meio-sorrisos de idiotas chapados?
Riem-se de quê?
Olhem-se ao espelho e chorem
Chorem por serem o que são
Uns merdas que nunca dão a mão
Que fingem que sim, mas sempre não
Escarninhos, preconceituosos, mal-amanhados
De educação falhados
Uns tristes fados
Por isso chorem, que sorrir é uma farsa
Tal e qual o que criam, ou julgam alcançar
Que daqui seguem viagem
não um, mas todos
de mãos a abanar
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
por migalhas, em 02.01.24
acabo de morrer
deixei de olhar, de ver
o meu pénis entesa-se na perspectiva de me sobreviver
é dor, é prazer
num duelo de forças que não permite saber
quem sobrevive, quem no fim irá perecer
pesado ficou o ar
assim a terra, fogo e mar
deposta a derradeira vontade
num augúrio de imparável mortandade
coisa cortante, matéria nefasta
que a todos arrasta
a todos dilacera, nunca pela metade
sem credo ou idade
qual canto do cisne
capítulo final
assunto encerrado
pena capital
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)