Não só em tempo de Natal, mas também, oferecer um livro a uma criança deveria ser quase obrigatório. É que ler estimula a criatividade, a imaginação e transporta-nos para cenários quantas das vezes impensáveis dentro de um simples livro. E faz crescer, na ânsia de poder ler sempre mais e dedicar a esse prazer tempo sem fim, assim fosse possível.
Este Natal há uns quantos títulos que devem ser ponderados, pois brincam com as palavras e com o medo do escuro, falam de animais, de pessoas, do país e do planeta, num conjunto que prova que o melhor presente a oferecer pode mesmo ser um livro.
Vejam aqui as sugestões do Observador e boas leituras para a pequenada:
Na precisa madrugada em que Jesus o salvador também o fez, tal e qual.
Dizem até que, com ele, uma nova estrela se formou no espaço sideral.
Uma estrela que serviu de guia a três estarolas estouvados que, após assaltarem uma estação de serviço e deixarem em mau estado o funcionário que teve a infeliz ideia de lhes fazer frente, rumaram ao que assumiram ser seu destino.
Mas antes disso, por pouco Juvenal não nascia no curral.
Sua mãe apenas teve tempo de se recolher no decrépito celeiro e entre a palha amontoada e uma cama improvisada, lá se dedicou à empreitada.
E se por um lado a vaca, que com o bafo o confortava, por outro a sua mãe, que com as tetas o alimentava.
Frio não passava e fome, nada o indicava.
Tudo assim se passou, mas seu pai em nada reparou, ocupado que estava ao fundo do corredor, com a mercadoria vinda do seu fornecedor.
Aí, num laboratório mal-amanhado, Maldonado subtraía qualidades ao produto puro que encomendara, ao qual, e em proporção inversa, lucro adicionava, o mesmo de que necessitava, para uma vida mais desafogada.
Quem deixara de gostar de ver o produto a ir e a dívida a subir, foi um outro rei, mago na forma como dominava o mercado daquele pó que fazia sonhar, mesmo não havendo Natal para celebrar.
Cansado de esperar, e já muito perto de se exaltar, o mago Baltazar apelou à boa-fé dos seus três estarolas e mandou-os o seu caloteiro cliente visitar, levando ao seu anunciado filho algumas ofertas de pasmar, como prova de que a sua boa vontade não estava para durar.
Enquanto o ciclo se cumpria, Juvenal progredia, nada mal, pelo que se via.
Aos olhos de sua mãe ele crescia, que dele o pai ainda nem sequer sabia.
O burro zurrava, a vaca observava e entre tantas tetas, Juvenal lá se consolava.
Obstinados em seguir a estrela de que se falava, a que o nascimento de Juvenal anunciava, a bem ou a mal, os três estarolas lá deram com o curral.
Senhor cá de um cheiro, e bastante enlameado, este antecedia o celeiro, ainda em pior estado.
E foi o burro, que visivelmente alterado, desatou a zurrar desenfreado, anunciando as visitas, que haviam chegado.
De surpresa apanhado, no seu cantinho ocupado, Maldonado nem tempo teve, de prever o seu fado.
Pelas costas baleado, sem saber ler nem escrever, nem nunca ele veio a saber, o que raio lhe foi acontecer.
A mãe bem berrou, o burro zurrou, mas o interesse dos três era o miúdo, que naquela hora com eles voou.
Ali ela ficou, prostrada entre a vaca e o burro, que o outro, o seu marido, por estupidez quinou.
Foi-se o produto, foi-se o puto, foi-se tudo e ela de luto.
Quanto a Juvenal, cresceu forte, fez-se marginal, tudo por obra e graça de Baltazar, o maioral.
E por que a memória tem destas coisas, foi numa ceia de Natal que Juvenal se recordou de Maldonado, ali estendido, ensanguentado, e tomado de um instinto quase animal, se atirou a Baltazar para enfim o destronar.
Dos três estarolas nem um sobrou, tal a forma como lhes chegou, mas deles a custo ainda arrancou, uma certa morada aonde regressou.
Embora rijo e a quase tudo habituado, receoso era o seu estado ali chegado, pois o que iria encontrar, era coisa que nem podia imaginar.
Sua mãe nem o reconheceu e, com medo do que fosse, com a canos serrados o recebeu e quase o abateu.
Foi por pouco que a tragédia não se consumou, que a sua mãe não o eliminou, e tudo por culpa do burro, que zurrou, zurrou e a ela o denunciou.
- Filho meu, filho meu! Tanto tempo depois que foi que te aconteceu?
- Tornei-me homem, minha mãe, e o meu destino encontrei. E agora que aqui te sei, não conto regressar sem comigo te levar.
- Eu sabia que um dia, antes ainda de morrer, esta alegria eu teria, de te voltar a ver.
- E agora ter-te aqui, em carne e em osso, faz-me lembrar o que nunca esqueci, o que só me aumenta o remorso.
- Por isso, e antes que se faça mais tarde, é justo que saibas a verdade, agora que tens idade: Que o teu pai não era o Maldonado, mas aquele burro malvado.
- Eu sei que pequei e por isso vou pagar, mas antes que penses em regressar, será que não queres ao menos comigo jantar?
Era ceia de Natal e por isso nada lhes podia cair mal. Nem mesmo os bifes rijos que nem cornos que um dia vigorosos haviam trepado à sua mãe para lhe dar a possibilidade de ser alguém.
Comeram em silêncio, numa singela homenagem, para depois, ainda atordoado, Justino seguir viagem.
Fora demais a revelação, tanta coisa num só serão, não fosse ser Natal e aquela ceia teria tido outra conclusão.
Ainda se tentou a presenteá-la, pois era noite de festa, pensou até numa bala, bem no meio daquela testa.
Mas de que serviria, agora que a burrice estava feita, mudar nada iria e maior seria a desfeita.
À mãe nunca perdoou, tê-lo deixado assim tão amargurado, mas a verdade é que nunca mais zurrou, qual jumento amaldiçoado.
Se considero o triste abatimento Em que me faz jazer minha desgraça, A desesperação me despedaça, No mesmo instante, o frágil sofrimento. Mas súbito me diz o pensamento, Para aplacar-me a dor que me traspassa, Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça, Teve num vil presepe o nascimento.
Vejo na palha o Redentor chorando, Ao lado a Mãe, prostrados os pastores, A milagrosa estrela os reis guiando.
Vejo-O morrer depois, ó pecadores, Por nós, e fecho os olhos, adorando Os castigos do Céu como favores.
Percorro o dia, que esmorece Nas ruas cheias de rumor; Minha alma vã desaparece Na muita pressa e pouco amor. Hoje é Natal. Comprei um anjo, Dos que anunciam no jornal; Mas houve um etéreo desarranjo E o efeito em casa saiu mal. Valeu-me um príncipe esfarrapado A quem dão coroas no meio disto, Um moço doente, desanimado… Só esse pobre me pareceu Cristo.
Em a noite de Natal Alegram-se os pequenitos; Pois sabem que o bom Jesus Costuma dar-lhes bonitos. Vão se deitar os lindinhos Mas nem dormem de contentes E somente às dez horas Adormecem inocentes. Perguntam logo à criada Quando acorde de manhã Se Jesus lhes não deu nada. – Deu-lhes sim, muitos bonitos. – Queremo-nos já levantar Respondem os pequenitos.
Entremos, apressados, friorentos, numa gruta, no bojo de um navio, num presépio, num prédio, num presídio no prédio que amanhã for demolido... Entremos, inseguros, mas entremos. Entremos e depressa, em qualquer sítio, porque esta noite chama-se Dezembro, porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos, duzentos mil, doze milhões de nada. Procuremos o rastro de uma casa, a cave, a gruta, o sulco de uma nave... Entremos, despojados, mas entremos. De mãos dadas talvez o fogo nasça, talvez seja Natal e não Dezembro, talvez universal a consoada.
este natal foi tudo pelo cano. tudo. até quem julgava que não tinha pressa. até quem julgava que não estava nessa. tudo. e eu mudo. e surdo e cansado de nada ver, nem ouvir e muito menos sentir. e eu que pensei, que por ser natal, nada se podia mal. como me equivoquei, olhando lá fora quantos prados queimados e terras antes férteis agora terrenos desprezados. a pesar no ar um aroma esgotado, viciado, no rescaldo do tanto que fora devastado. e ao relento incontáveis almas, numa incontável sofreguidão, sem fortuna ou mala pela mão, em longas horas de espera por uma entrada naquela barca que se dizia e queria a salvação. que ilusão. que por ser natal alguém nos iria dar a mão? olhei ao longe o mar e ele sentiu-me o olhar. pediu-me perdão mas que nada podia evitar. e eu como o entendi, neste fim de linha que era nosso, de todos, do ricaço ao sem abrigo. para o ano novo natal e, no seguinte, tal e qual. então já sem roupa no estendal, sorrisos francos ou escarninhos, brincadeiras de criança ou o que fosse que, mesmo parecendo mal, não se entendia como tal. ele seria sempre, nós por este ficaríamos. que tudo continua, indelével e indiferente à nossa passagem. breve como as horas que são cada quadra natalícia, no dorso suave de uma quase imperceptível aragem, reflexo fiel desta nossa viagem.