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Memórias recentes de uma noite inesquecível. Muitos presentes que deram ao auditório da Fnac de Alfragide um ambiente propício ao lançamento do meu mais recente livro "E por vezes a noite".
Ficam os agradecimentos a todos os envolvidos e a esperança de poder fazer chegar este meu mais recente mergulho na narrativa de ficção ao maior número possível de leitores.
Se por aí houver quem pretenda um exemplar, é deixar aqui a sua intenção que terei todo o prazer em enviá-lo via correio para a respectiva morada, pela quantia de 17€.
Podem ainda adquiri-lo online na Fnac, Bertrand, Wook e no site da editora Cordel de Prata.
E boas leituras.
Nela ouso pensar
de sorriso no rosto de quem sabe que quer
ou se permite poder.
Com ela me quero deitar
nela me quero depositar
por entre juras e promessas
de dias ao sol, noites ao luar.
Parida de um cravo foi, espinho de rosa é.
Fez a cama, onde me deitei
deu-me a mão, que aceitei
enfeitiçou-me, e eu deixei.
Iludido, apaixonado
fez-me sonhar acordado,
quando o tempo todo assim vivi
apenas e só, enganado.
Não lhe vi a outra face
o âmago que é o seu
erro meu, meu enterro
que nela quis acreditar
Liberdade, Liberdade
que já nada tens para me dar
© Copyright Miguel Santos Teixeira
Ler, mas com cabeça.
Miguel Santos Teixeira
O dia. Mundial do Livro.
O Pensamento. Ler todas as obras literárias alguma vez publicadas, nesse único dia.
O plano. Insano, no mínimo.
Reunir os biliões de textos que, século após século, haviam sido selecionados para se partilharem com os leitores e, de uma penada, consumi-los todos. Uma penada de 24 horas, mas ainda assim uma brevidade assombrosa, atendendo às pretensões do projecto.
E as pausas? Para alimentação, necessidade básicas, higiene. Rentabilizar cada uma, era a palavra de ordem. Quem nunca leu na retrete, à mesa entre garfadas ou mesmo enquanto lava os dentes?
Os obstáculos maiores, as armadilhas, as impossibilidades, tudo isso é obra maior da nossa cabeça. Ela que é perita em imponderáveis que dificultem o bem-sucedido, em problemas ou dificuldades que impeçam os propósitos a que nos propomos. Razão mais do que suficiente para a eliminar da equação. Pô-la num cepo e ordenar ao carrasco:
- Ó tu, do capuz preto enfiado até à medula!
- Are you talkin’ to me?
- Vês aqui mais alguém enfiado num capuz preto ridículo como esse?
- Sei lá, pouco consigo ver à volta com isto enfiado cabeça abaixo.
Pois, que mais poderias ser senão carrasco – sussurrou.
- Sim, tens razão, de facto a tarefa parece de um grau de dificuldade elevado.
Para os teus parâmetros, então, nem se questiona. Voltou a sussurrar. Só davas mesmo para carrasco.
- Mas adiante. Tens um tempinho ou estás muito ocupado?
- Quem eu?
- Epá, começas a deixar-me em dúvida se deva recorrer a ti mesmo para o que estou quase a pedir-te.
- Não entendi.
- Também pouco interessa para o efeito.
Para além de que não me surpreende – novo sussurro.
- Bom, sem delongas e directo ao assunto: cortas-me a cabeça ou tenho de o pedir a um amigo secreto?
- Se quiseres que tudo fique em segredo, comigo não contes. Que eu conto cada cabeça que corto e até tenho um bloquinho onde assento tudo. Para além de que também conto tudo aos meus parceiros de copos na taberna, ao fim de cada dia.
- Certo. A ideia é só deixares cair o machado sobre este pescocinho macio e tenrinho e deixar que essa lâmina afiada cumpra o seu propósito. Achas que consegues? Tens um tempinho para isso?
- Tipo agora? É que estou aqui numa troca de mensagens que ainda pode demorar.
- Daí ter-te perguntado se tinhas um tempinho para isso.
- Ter até tenho. Acho que consigo arranjar aqui uma vaga por volta das três da tarde. Dava-te jeito a essa hora?
Já estou por tudo – algo sussurrado.
- Negócio fechado às três!
- Às três é quando abro o negócio, não entendeste. Queres que te explique de novo?
- Não, não, deixa estar.
Com este, um gajo perde a cabeça mesmo antes de ele a cortar, chiça!
O tempo passou e a hora agendada aproximava-se.
O gajo da cabeça, ainda com ela sobre os ombros, regressou ao convívio do carrasco e foi dar com ele, sem surpresa, a trocar mensagens. Que certas profissões exigem muito do competente profissional. O cuco anunciava as três da tarde e nesse instante o carrasco trocou o ecrã pela vida real. Ao fundo, o seu próximo cliente.
- Foi você que marcou para as três?
- Sim, sou eu mesmo.
- E acha que está preparado para o que lhe vou fazer?
- Bom, preparado a pessoa nunca estará inteiramente. Afinal, não é todos os dias que agendamos a subtracção de uma parte tão importante do nosso corpo.
- Pois, eu só pergunto que é para depois não virem dizer que afinal se arrependeram, e isso.
- Pois, seria algo complicado de fazer após a sua intervenção.
- Você é que sabe. Então vamos?
E lá foram eles, lado a lado, rumo a um espaço ermo e massacrado pelo sol abrasador. No meio daquele nada, um cepo. Ou dois, se contarmos agora com a presença do carrasco. O terceiro elemento, não se incluindo propriamente nessa classe, não deixou de repousar a sua cabeça naquele cepo amigo, como que aguardando por alguma consolação. Uma insolação, talvez. Mas seria por pouco tempo. Que o profissional do machado depressa o segurou e elevando-o no ar, que rasgou de rompão, num ápice deixou-o abater sobre aquele pescoço indefeso. Sobre aquela ponte que unira cabeça ao tronco. E nem o diabo havia acabado de esfregar o olho e já o pobre decapitado saldava a sua dívida, fazendo-o, se bem que por todo manchado de sangue, por MBWay. Operação concluída!
Um cumprimento breve e agora poderia ingressar em qualquer espectáculo sem pagar. Pois, como todos sabem, quem não tem cabeça não paga nada.
Satisfeito com a decisão, embora não se pudesse adivinhá-lo no seu rosto, o feliz decapitado tinha agora pela frente um desafio um pouco mais abrangente que qualquer um outro que a sua ex-cabeça lhe pudesse impor. Não pensara no assunto então e agora tal tarefa tornava-se ainda mais problemática. Como raio ia ele ler tanto livro num único dia se, entretanto e com tantas voltas e reviravoltas, já estava no dia seguinte ao dia mundial do livro? Sentou-se, colocou o espaço que fora da cabeça entre as mãos e chorou. Quer dizer, se ainda tivesse olhos. Suspirou fundo, se ainda tivesse vias nasais, e largou um sonoro desagrado, caso ainda o conseguisse por via da boca que agora lhe fora igualmente subtraída.
Perdera a sua oportunidade. O plano não correra como o previsto. E com tudo isso, tinha agora ainda a árdua tarefa de adiar todas as suas leituras sine die. É o que dá dar ouvidos a quem menos interessa. Neste caso, a um carrasco.
Moral da história: Leiam. Tudo o que podem e enquanto podem. Não vá um dia ficarem com cataratas.
FIM
num último acto de respirar
instantes antes de se apagar
o corpo inerte abrandou
e nessa pausa indagou:
retalhada esta manta
como se unem as pontas, as soltas e as outras?
com que ponto, com que linha?
que eu estou no fim da minha
aqui me quedo, já sem voz activa
trapo sem remendo, farrapo rasgado
de ti solto amarras, vida passiva
agora, por fim, aliviado
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
à distancia de meio dia
à ténue luz de uma vela
à margem de qualquer conversa
és tu assim, ainda mais bela
fosses tu uma rosa
e eu uma rosa fosse
à mingua de água
de um beijo terno e doce
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
que ser humano é viver asfixiado por esta corda bamba
por este ábaco que nos inunda de idade
por essa areia fina que nos precipita a queda
nos afunila a vida
nessa ampulheta que nos é guarida
princípio, meio, casa partida
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
são parcelas de um tempo que se esvai
num tom particular, comum a todos
que um só olhar nunca diz tudo
nem voz alguma perdura, sequer se instala
como uma lenda ou mito ambíguo
que de concreto nada fala
num espaço que se crê contínuo
confinado a esta pequena mala
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
Se tudo se fundisse num só
Se céu e terra confluíssem num único ponto, nem perto nem distante
Se a luz tremeluzente desta vela que me alumia fosse foco de inspiração
Ou se o mar que morre na praia fosse seu reflexo
Que uma caixa não é apenas uma caixa
Pois que ela é liberdade, quando se abre e expande vontade
Qual manto ao vento
Qual desejo ou intento
Qual majestosa força que num sopro se ergue e num respirar se esvai
Que eu aqui nada sou
Se bem que vejo ser
Tudo num instante fugaz
Num bater de asas que revolve o mundo
Aquele onde fui
Um dia há muito tempo atrás
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)