por migalhas, em 16.11.23
num último acto de respirar
instantes antes de se apagar
o corpo inerte abrandou
e nessa pausa indagou:
retalhada esta manta
como se unem as pontas, as soltas e as outras?
com que ponto, com que linha?
que eu estou no fim da minha
aqui me quedo, já sem voz activa
trapo sem remendo, farrapo rasgado
de ti solto amarras, vida passiva
agora, por fim, aliviado
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 14.11.23
à distancia de meio dia
à ténue luz de uma vela
à margem de qualquer conversa
és tu assim, ainda mais bela
fosses tu uma rosa
e eu uma rosa fosse
à mingua de água
de um beijo terno e doce
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 04.10.23
que ser humano é viver asfixiado por esta corda bamba
por este ábaco que nos inunda de idade
por essa areia fina que nos precipita a queda
nos afunila a vida
nessa ampulheta que nos é guarida
princípio, meio, casa partida
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
por migalhas, em 02.10.23
são parcelas de um tempo que se esvai
num tom particular, comum a todos
que um só olhar nunca diz tudo
nem voz alguma perdura, sequer se instala
como uma lenda ou mito ambíguo
que de concreto nada fala
num espaço que se crê contínuo
confinado a esta pequena mala
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por migalhas, em 25.07.23
Se tudo se fundisse num só
Se céu e terra confluíssem num único ponto, nem perto nem distante
Se a luz tremeluzente desta vela que me alumia fosse foco de inspiração
Ou se o mar que morre na praia fosse seu reflexo
Que uma caixa não é apenas uma caixa
Pois que ela é liberdade, quando se abre e expande vontade
Qual manto ao vento
Qual desejo ou intento
Qual majestosa força que num sopro se ergue e num respirar se esvai
Que eu aqui nada sou
Se bem que vejo ser
Tudo num instante fugaz
Num bater de asas que revolve o mundo
Aquele onde fui
Um dia há muito tempo atrás
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por migalhas, em 12.07.23
por migalhas, em 10.07.23
Há um duplo de mim
Igual, tal e qual
Que espreita a cada esquina
Me olha e copia
Mas que em pouco ou nada se associa
Ou de mim sequer se aproxima
Esse duplo
Que dizem existir
É esforçado, lá isso é
Assemelha-se, aqui e ali
Mas fica-se por aí
Qual cópia de mim!
Nem nada que se pareça
Que o tire da cabeça!
Uma mera contrafacção
Um artigo em segunda mão
A fazer-se passar pelo original
Mas tristemente igual
Nem cuspido, muito menos escarrado
Tão longe está
Mais longe fica
Quando comparado
Ele, que nem ares dá
Pobre coitado
Que como eu, só mesmo eu
Irrepreensível peça única
sem volta a dar
Ou forma de copiar
Louvada joia
Entre os seus pares
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por migalhas, em 06.07.23
Em revoadas
Sem tempo definido
Ao longe a memória
Em fagulhas de um ardor doente
Como farpas de um amor quente
Que não se olha
Mas que se sente
E assim o corpo, dormente
E depois, quando já nada nem ninguém
No coração de uma qualquer noite
Os rostos sucedem-se
Tocam os sinos a rebate
E no cerne dessa fúria
Surgem então à tona
Esses ses tão espessos
Breu que alumia
Esta espécie de agonia
Que sem tempo definido
E em revoadas de uma sarcástica dor
Não deixam dúvidas
Mas o corpo assim, e também a mente
dormente
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por migalhas, em 23.06.23
Olhar
Atento
Mundo
Imenso
Lançados estão os dados
Roda a esfera, esta esfera, num mar de muitas
Infinitas possibilidades, num avassalador desconhecido
Que nada se repete, tudo se transforma
Corpo e alma
Fogo e gelo
Que há um tempo
este
Mas o espaço
Aquela vastidão
E nós, nesta redoma
Que nos molda
E tolda
Sem fim
Assim
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por migalhas, em 20.06.23
ruínas habitam-me o peito
destroços esquecidos do que um dia foi pedra de toque a cada nova aurora
hoje pedra fria que apenas chora
naufraguei, a certa altura da vida
não sei quando, nem porquê
apenas que não saro esta ferida
que profunda se sente, pior se vê
ao longe olho o mar e invejo o seu respirar
mais longe ainda procuro um ponto onde me ausentar
não que sossegue ou apazigue este sofrer em mim encarnado
mas deixa entreaberta a porta que me há-de ser a fuga
quem sabe a cura
para esta loucura
que se contorce, geme e queixa
e a reboque da sua dor leva a minha
e sem consolo a deixa
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