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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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(in)existente

por migalhas, em 15.03.24

nem sei que restos são estes

que nem ossos, que nem espinhas

sobras de um dia, de todos

que me enchem de uma monotonia

de uma intensa tristeza no vazio que são

como o estômago em fome

como o riso disforme

como nada, que nada se perfaz

e que arrasto preso a correntes

preso nesta existência de nula consistência

que não a previ assim

fria, indiferente, uma assombração pendente

na pele deste fantasma que sou eu

num manto de invisibilidade que me oculta desta selva

bendita sejas pelo mal que fazes

que em mim é o bem que sabes

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

desde a primeira hora

por migalhas, em 13.03.24

estás a um passo dessa linha

com que um dia te marcaram

com que um dia te travaram

imposta desde a primeira hora

de que não reténs memória

 

estás a um simples passo

dessa linha esmagadora

fina, leve, avassaladora

que te foram quantas horas

e de que não reténs memória

 

estás a um passo dessa linha

dessa constante assombração

coisa riscada no chão que pisas

que te impediu cada acção

agora te lembras

desde a primeira hora

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

ecos colossais

por migalhas, em 11.03.24

o céu fechou-se, cerrou fileiras

as suas pesadas pálpebras

e precipitou-se

sobre os indefesos, amedrontados

 

zangado, antes berrou, soltou toda a sua fúria e estalou brutal na vastidão abissal

ecoando seco e ameaçador

sobre os incautos, pecadores

 

irou-se e tudo alumiou na noite que impôs, então compôs, a seu tempo, compassada, a seu jeito, cerrada

 

e sobre todos se lançou

na brava impetuosidade do seu ser

a todos enlaçou

na prepotência do punho ditatorial

brotando salvas que ressoaram pelos confins do seu reino

qual homenagem fúnebre a um herói nacional

espezinhado a seus pés, impotente

qual castelo de areia

indefeso animal

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

tu, que do amanhã nada sei

por migalhas, em 07.03.24

não sei o porquê de seres tu

entre incontáveis figuras

frágeis e tão pequeninas

a brincarem às vidas neste lar pedregoso

a olharem o céu à noite e a depositarem desejos numa singela estrela

a rezarem para que assim, por mim, por este e por aquele

na ilusão de um amanhã a todos omitido

revelado ao minuto, nunca de véspera

 

e logo tu, de entre tantas respirações que se sustêm

como sementes, miraculosamente germinadas

como folhas, de verdes a douradas

num ciclo de vida que nos leva a galope

por entre dias céleres e afazeres sem conta

ele que nunca faz de conta, sempre se perfaz depressa

que a sua missão é essa

passo estugado, olhar adiantado

numa cilada que a todos deixa asfixiados

por ele rodeado, a toda a volta, por todo o lado

a cada espaço mais e mais mirrado

e menos uma hora

e lá se foi outra aurora

 

e tu, de entre todos estes crono serviçais

filhos de uma rota pré determinada

toalha ao chão e nada mais

impassível, num olhar que se demora

eternizado neste que sou agora

que amanhã não sei                              

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

único

por migalhas, em 05.03.24

dizem que sou único

que como eu não existe outro

e as nuvens? e as ondas? e as árvores?

e o vento? que sempre que sopra, sopra diferente

e um olhar? que nunca se queda num só lugar

e um pensamento? que num abrir e fechar de olhos já anda a vaguear

e imaginar? que pode ser tanta coisa sem par, basta pensar

e tudo? à minha volta, à vossa, à de todos

que ninguém é duas vezes

apenas semelhante ao seu vizinho

de casa, de prédio, de rua, de cidade, de país, de continente

que nem o amor, que eu quero igualmente repartido por ti, por ti e por ti

e que nunca chega, sempre escasso, à distância por vezes de um simples abraço

mas nunca igual, apenas único

como cada qual

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

capítulo final

por migalhas, em 01.03.24

são formas que se movem

de vontade ressequida

como espantalhos perdidos ao vento

munidos do que julgam ser vida

 

repetem esquinas

alongam avenidas

são sombras, são espectros

em becos sem saída

 

não sabem o que seguem

não sabem ao que vão

são figuras agastadas

subtraídas de paixão

 

compõem-se bem, alguns a rigor

que ainda são gente, gente que sente

um aperto no coração, uma angústia, um tremor 

solidão que mói, qual maleita persistente

 

já não sabem nem sonham

que a vontade foi a enterrar

são carcaças rendidas, de asas partidas

numa vida que já só é restos

até do tempo que ainda tem para lhes dar

 

mais mortos que vivos, num constante pesar

eles deixam-se ir, deixam-se levar

no dorso desse tempo que a todos há-de arrastar

mais estes que nem trapos

sem regresso ou volta a dar

 

e assim desfila este capítulo sem história

a seus olhos final, sem glória

lembrado em lápide de néones brilhantes

já sem nada, nem mesmo memória

já nada como dantes

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

no fim

por migalhas, em 02.01.24

acabo de morrer

deixei de olhar, de ver

o meu pénis entesa-se na perspectiva de me sobreviver

é dor, é prazer

num duelo de forças que não permite saber

quem sobrevive, quem no fim irá perecer

 

pesado ficou o ar

assim a terra, fogo e mar

deposta a derradeira vontade

num augúrio de imparável mortandade

coisa cortante, matéria nefasta

que a todos arrasta

a todos dilacera, nunca pela metade

sem credo ou idade

qual canto do cisne

capítulo final

assunto encerrado

pena capital

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

desespero

por migalhas, em 29.12.23

desespero

pelo que não vejo, pelo que não sinto

 

desespero

por esta névoa que tudo me oculta

me cala a voz e a visão impede

 

desespero

porque não te entendo, nem quero

porque vivo surdo e mudo e nunca acordado

porque não sinto outro estado que este de viver amarrado

mãos, pés, pensamentos

tantos os tormentos

que em mim habitam enclausurados

 

desespero

pelo que não se vê, não se sente

mas oprime, asfixia

subtrai vida a nascente, vida subtrai a poente

na maré cheia, na maré vazia

sem tréguas ou misericordiosa compaixão

desde a tenra hora, à hora de me unir a este chão

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

Breve

por migalhas, em 27.12.23

Acordei e morri.

Nem um suspiro, um sussurro e faleci.

Um instante, uma efémera memória, foi tudo o que ficou de mim.

E a terra húmida a cobrir-me o corpo nu.

A ver-te partir, vida que nem vivi.

Olhos raiados, cegos, surdos e mudos de tudo aquilo que nunca vi.

Ali especados, incrédulos, a olharem o mundo como só eu o vi.

Que carrego tão leve é este, que nem o senti?

Foi por viver breve?

Que nada, nem ninguém.

Apenas o diabo que me leve.

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

enclausurado

por migalhas, em 30.11.23

por quantos infernos já passei?

enclausurado ao mundo empírico e por ele ignorado

dele repelido como um escravo a que nada é permitido

nesta vida que nos cobra cada registo falhado

em papel timbrado, em folhas repassadas e com elas a história

o tempo que se escoa e eu com ele

de tudo afastado e neste estado omitido

que o nada se interpõe e de mim faz troça

ao que faço faz vista grossa

e cínico no ar espalha a mentira

que repetida aos sete ventos se torna verdade

maior a crueldade

para quem se queria parcela deste mundo

mas nele perdeu quanto tinha

a fé, a esperança, a identidade

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)