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os armários estão vazios
eu parti, tu partiste, partimos
elos quebrados
forma e conteúdo desligados
ponto final parágrafo
de hoje em diante desasados
os armários estão vazios
do que fomos pouco encerram
malas feitas, vidas desfeitas
ocas do tempo que julgámos eterno
agora a jurar promessas no inferno
os armários estão vazios
as paredes nuas, frias
nas prateleiras resta o pó
que connosco conviveu e a mesa partilhou
arrelias, ténues alegrias
guerras, tantas guerras
a toda a hora, todos os dias
os armários estão vazios
o silêncio varreu esta casa
sepulcral, integral
resta o odor a bafio
que até o ar foi a enterrar
os armários estão vazios
governa o escuro
que a luz recusa-se a entrar
é bom para os fantasmas
dessa efémera paixão
a que aqui jaz desde então
nos armários, nas prateleiras, no chão.
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
o pó assenta, sempre o faz
desde que instigado, no seu voo alado
deter-se, ficar-se, é incapaz
bicho irrequieto que vive em todo o lado
só nós teimamos em ocultá-lo
invisível torná-lo
removendo-o, varrendo-o, daqui ou doutro lugar
na certeza de que, adiante, acaba por pousar
daqui, dali, de lado algum ele sai
teimoso, impassível, a lado algum ele vai
omnipresente, ser intransigente
cabeça de cartaz, coisa resistente
apenas na nossa cabeça o eliminamos
na supérflua tarefa que nos faz gente
nós, tolos humanos
dois passos atrás, meio para a frente
o mesmo pó a que seremos lançados
por ele tragados no seu contentamento
aos leões esfomeados, pobres de nós
que nada nos sobra em testamento
é pó, é terra, é o fim do caminho
é arena despida do que é humano
que este morrer é sempre sozinho
é meu, é teu, é destino profano
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
à imagem deste que julgo ser
à beira de um imaginário precipício
há tudo quanto se me escapa
daqui até onde a minha mão alcança
há o que não pressinto, nem vejo
neste meu infinito desejo
há o que calo e não digo
como quem silencia um inimigo
no universo há tudo isto
mais aquilo que não entendo
amálgama de que sou feito
para lá deste espaço e tempo em que existo
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
Há um duplo de mim
Igual, tal e qual
Que espreita a cada esquina
Me olha e copia
Mas que em pouco ou nada se associa
Ou de mim sequer se aproxima
Esse duplo
Que dizem existir
É esforçado, lá isso é
Assemelha-se, aqui e ali
Mas fica-se por aí
Qual cópia de mim!
Nem nada que se pareça
Que o tire da cabeça!
Uma mera contrafacção
Um artigo em segunda mão
A fazer-se passar pelo original
Mas tristemente igual
Nem cuspido, muito menos escarrado
Tão longe está
Mais longe fica
Quando comparado
Ele, que nem ares dá
Pobre coitado
Que como eu, só mesmo eu
Irrepreensível peça única
sem volta a dar
Ou forma de copiar
Louvada joia
Entre os seus pares
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2023)