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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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desespero

por migalhas, em 29.12.23

desespero

pelo que não vejo, pelo que não sinto

 

desespero

por esta névoa que tudo me oculta

me cala a voz e a visão impede

 

desespero

porque não te entendo, nem quero

porque vivo surdo e mudo e nunca acordado

porque não sinto outro estado que este de viver amarrado

mãos, pés, pensamentos

tantos os tormentos

que em mim habitam enclausurados

 

desespero

pelo que não se vê, não se sente

mas oprime, asfixia

subtrai vida a nascente, vida subtrai a poente

na maré cheia, na maré vazia

sem tréguas ou misericordiosa compaixão

desde a tenra hora, à hora de me unir a este chão

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

morte em vida

por migalhas, em 28.11.23

há uma ideia da morte

feita apenas em vida

de que ela nos é devida

como coisa merecida

no fim desta corrida

que um dia nos foi oferecida

 

como a mão da noiva comprometida

a que juramos fidelidade indefinida

como indefinida é a vida

e essa morte prometida

 

como cada passo que nos conduz

de um extremo ao outro desta linha em que avançamos

rumo à luz

que, por fim, alcançamos

às cegas, é certo

que nada é o que julgamos

 

de identidade indefinida

o que faz, faz sem maldade

como coisa merecida por esta vida oferecida

que não escolhe idade

ou tempo de validade

agora e na hora da nossa

seja feita a sua vontade

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

Tempo (in)visível

por migalhas, em 24.11.23

De cada dia existe uma parcela que me escapa

Um par de horas

 

(quase sempre mais, dois pares, talvez até três)

 

que me são omissas, que em permanência não lhes chego sequer a sentir o sabor

São horas que passam na minha ausência, mas que contam tanto como as outras no acumular de todas as que um dia se me irão somar

 

Horas que se adicionam às de uma vida, mas que as não vejo ou sinto como horas

São quase sempre horas nocturnas, horas adormecidas em que também eu me embalo rumo ao paralelo mundo dos sonhos

Nessas horas é o silêncio quem ergue a sua voz e do alto da sua solenidade acrescenta tempo ao tempo que me perfaz

 

E quando acordo

 

(na manhã seguinte a essas horas que nem as vivi, sequer senti, apenas se perfizeram porque são essas as suas ordens)

 

sou eu mais essas horas por companhia, por sombra que me segue e acompanha e acrescenta camadas de tempo ao tempo que já somei, bem cimentadas na pessoa que sou e de que só as rugas e toda a degradação deste meu ser

 

(que são consequência sua)

 

me fazem saber que passaram por mim

 

(também elas passaram por mim)

 

mesmo sem lhes ter chegado a sentir o sabor

um leve trago desse existir amargo

que me soma tempo sem permissão

que me acelera o passo para o outro lado

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

tempo incessante

por migalhas, em 22.11.23

e o eléctrico?

ao longo do corredor de carris em ferro

fazendo deslizar o todo das almas

e nesse percurso escoando quantas memórias jamais perdidas

a espaços eternizadas no momento

naquele momento vidrado de quem olha pelo espaço que se retrata na paisagem e por ele deambula

encantado

tão encantado quanto tudo o que é vida e movimento que se perpétua na raiz de quanto ainda está para ser

em breve futuro feito presente

presente feito passado.

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

o par vive de DOIS e ser ímpar é ser sozinho

por migalhas, em 21.11.23

ensaio

tempo sem senso

por migalhas, em 20.11.23

são parcelas de um tempo que se esvai

num tom particular, comum a todos

que um só olhar nunca diz tudo

nem voz alguma perdura, sequer se instala

como uma lenda ou mito ambíguo

que de concreto nada fala

num espaço que se crê contínuo

confinado a esta pequena mala

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

és

por migalhas, em 14.11.23

à distancia de meio dia

à ténue luz de uma vela

à margem de qualquer conversa

és tu assim, ainda mais bela

 

fosses tu uma rosa

e eu uma rosa fosse

à mingua de água

de um beijo terno e doce

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)

Projecto/performance "Na alucinação que é cada viagem": Texto 5. Vamos a encerrar

por migalhas, em 27.10.23

Vamos a encerrar

 

E agora vou

e agora vamos, a encerrar

artistas de alma, de coração, eu e ele

eu, o falador, de cola e tesoura na mão

ele, meu irmão, que na guitarra encontrou a sua imensurável paixão

 

Dedilhamos temas e mundos paralelos

cortamos, encurtamos, estendemos, recompomos

não contentes, regravamos, camada sobre camada

nesta terra fértil, neste mar gigante

ao sabor de marés, de ventos e luas

da vida que verte límpida do ventre das ninfas nuas

 

Aqui moramos, mas é noutra realidade que habitamos

eu, alucinado pelas colagens

pelas viagens vividas nas milhentas mensagens

ele, pelas cordas enfeitiçado

as que acima abaixo percorre

numa ânsia, numa fome

que não se explica, que não tem nome

nem precisa

pois responde ao silêncio, à bravura das palavras que nas escarpas mais fatídicas se arriscam a viver

numa força e num querer

que só quem, como eu e ele

pode entender

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

Projecto/performance "Na alucinação que é cada viagem": Texto 4. Mar de gente

por migalhas, em 26.10.23

Mar de gente

 

há um mar de tanta gente

gente indiferente, gente impotente

gente imensamente descontente

gente demente

e que mente

com quantos dentes ostenta

que nem oito nem oitenta

nesta praça pública

nesta pública roleta

que ao som da trompeta

tocada a rebate

bate e foge

da mão morta que já nem encontra a porta

entre este mar revolto

de tanta gente dormente

aos céus e à terra temente

consumida por esta cinza inclemente

gente que já nada crê ou sente

hoje, agora, neste momento presente

amanhã, adiante, para todo o sempre

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

Projecto/performance "Na alucinação que é cada viagem": Texto 3. Na alucinação que é cada viagem

por migalhas, em 25.10.23

Na alucinação que é cada viagem

 

há uma fuga que se escreve

não planeada, inconsciente

mas que está lá, em cada viagem

em cada ida, a anteceder a partida

que fervilha, ganha vida e é combustível que me inflama de vontade

 

há uma fuga que me enlaça

me arrasta caminho fora, me atira para diante

me faz sonhar com amanhãs perfeitos, lá, para onde vou

de que o check-in é apenas preâmbulo

 

há uma fuga que me alucina

me engana a retina e tolda a vida, deixando-me em pausa

num limbo que visto como roupa de Domingo

tão lindo, tão imaculadamente feliz

tão embevecido com a vista daquele quarto impessoal de hotel

para onde, nem sei

mas é o que sempre quis, desde que aqui cheguei

 

Esta fuga, que me rouba à rotina

Que me distrai de quem sou a cada dia

Chama-se viagem ao mundo das alucinações

Sim, se calhar é uma droga, um alucinogénio à mão de semear

Se tiver dentes ou unhas para o tocar

 

Que depois há o voltar

Pés na terra, mãos ao ar

Que este sou eu

Não há volta a dar

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)