mundo enfermo
Tanto mundo lá fora e eu aqui asfixiado
tanto ar respirável e eu entre quatro paredes degradadas
pelas quais escorrem águas passadas
Este espaço que habito encolhe comigo
as janelas são a alma do padeiro
o telhado um tabuleiro, entretanto desabado
juntos partilhamos migalhas
restos e restinhos, o lixo dos que, acima, se banqueteiam na soberba
Por entre líquenes e musgos, a fazerem-se de convidados
envolto em notícias passadas e caixotes amarrotados
deposito este corpo, mas nunca descansado
que na penumbra existe o medo de ser acossado
Aqui vivo esta embriagada sanidade que já não vê por si
mas somente pelo olhar profundo da impossibilidade
com pouco mais que uma sandes de rançosa manteiga e fiambre apodrecido
incapaz de me lembrar porque fui esquecido
Nesta fome de quem não come há tempo demasiado
de quem sem dinheiro no bolso, nem bolso onde esconder as mãos
olha a montra e nela tudo almeja
lampeja o ridículo, que trôpego tropeça na realidade
directo ao chão que tão bem conhece e a queda lhe endurece
destino impregnado de bolor, de ferrugem de cólera latente
na imagem decadente de quem não sendo doente, doente é
enfermo se sente
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)