por migalhas, em 04.07.23
Alimenta o fogo
Alimenta-o bem
Dá-lhe o que ele gosta e vê-o crescer
Ele que tudo consome
Seja carne
Da tua, da minha
Ou carne seja
Que nunca é demais, pois nunca sobeja
Servida à gula do seu ser
No cerne do que ele é
Besta irada em dança de labaredas
Num apelo de sofreguidão incansável
Ele insaciável
Ele monstro infernal que no calor da emoção se consome
E a vida obscurece num negrume que transparece
Desse seu modo violento de quem chama ardentemente
De quem se sabe demente
E não recua jamais
Que o seu fito é para a frente
Obcecado, doente
Até se fazer distante
Passado, história
Um rasto de cinzas ao vento
Extinto o momento
© Copyright Migalhas (2016)
por migalhas, em 30.06.23
Casca de noz
Numa dessas, rio abaixo
Sigo eu, ao sabor de quantas correntes o formam
O entroncam e lhe conferem vitalidade
Ele, tão mais volumoso
Caudal decidido, impetuoso
E eu, tão à deriva
Sem norte, nem sorte
A depender-lhe da vontade
De me ver adiante ou a seus pés sufocado
Que nem ser assustado
Que nem humano castigado
A si subjugado
© Copyright Migalhas (2016)
por migalhas, em 23.06.23
Olhar
Atento
Mundo
Imenso
Lançados estão os dados
Roda a esfera, esta esfera, num mar de muitas
Infinitas possibilidades, num avassalador desconhecido
Que nada se repete, tudo se transforma
Corpo e alma
Fogo e gelo
Que há um tempo
este
Mas o espaço
Aquela vastidão
E nós, nesta redoma
Que nos molda
E tolda
Sem fim
Assim
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2014)
por migalhas, em 20.06.23
ruínas habitam-me o peito
destroços esquecidos do que um dia foi pedra de toque a cada nova aurora
hoje pedra fria que apenas chora
naufraguei, a certa altura da vida
não sei quando, nem porquê
apenas que não saro esta ferida
que profunda se sente, pior se vê
ao longe olho o mar e invejo o seu respirar
mais longe ainda procuro um ponto onde me ausentar
não que sossegue ou apazigue este sofrer em mim encarnado
mas deixa entreaberta a porta que me há-de ser a fuga
quem sabe a cura
para esta loucura
que se contorce, geme e queixa
e a reboque da sua dor leva a minha
e sem consolo a deixa
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
por migalhas, em 16.06.23
aqui ao lado mora a devastação
parida de um vórtice de morte
que antes essa que tal sorte
a de existir esventrado de alma, de coração
são cinzas de um incenso vertido ao mar
num negrume que nada augura de bom
são corvos que esvoaçam a sua dor
nas costas de um tempo devedor
são grãos sem vida desta terra esbatida
num clamor de aridez que já nada ostenta
tudo aqui jaz nesta roupa encardida
que o que brotou vivaz já não se sustenta
o mar afogou-se em mágoas
em tom defunto quedou-se o céu
toda a natureza sossega agora morta
aqui, onde já nada nem ninguém
ou coisa alguma ainda importa
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)
por migalhas, em 12.06.23

por migalhas, em 09.06.23

por migalhas, em 06.06.23

por migalhas, em 01.06.23
É a civilização quem ordena erguer cidades, exige derrubar árvores.
É ela quem estende viscosos tentáculos até onde o vento se sente escassear.
Espreito esta nesga de tempo enquanto posso
e nela refugio o olhar cansado que ainda consigo.
Aqui estou perdido.
Eu e a mente por onde ecoam as vozes, tantas quantas as perdidas, como eu
distante que nem os passos todos que pudesse ainda dar
este tempo fez-se tempo passado
filho bastardo de um rumo há muito também perdido
que da vida já nem sinal.
“Mas não faz mal, pois não?”
Na inocência de quem é criança e nunca deveria deixar de o ser.
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2011)
por migalhas, em 26.05.23
