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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Calor e dois pontos de luz

por migalhas, em 23.07.24

Descomunal

Arrebatador

Colossal

Onda de calor

 

Dois pontos de luz

Dois focos de vida

A guiar-me por entre os seus raios

A obstruir-me qualquer saída

 

Tolda-se-me a razão

Do corpo já nem sinal

Nada há a que deitar a mão

Neste braseiro, ponto final.

 

Rasga-se a labareda

Entretanto feita Adamastor

Tudo na frente consigo leva

Num mar de chamas, num manto de dor.

 

Este calor

Os pontos de luz

Cenário abrasador

Que nunca supus

 

Cinzas às cinzas

Que o que era, ardeu

Foi obra do Diabo

Fogo desse inferno, que é o seu.    

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

és tu assim

por migalhas, em 18.07.24

tanta cor nessa branca cal

és tu assim, tal e qual

 

beijada pelo sol

pela brisa acariciada

reinas plena nessa altivez

sempre serena, para sempre desejada

 

és tanta luz, maior a alma

és de uma dimensão inexplicável

na beleza que irradias sempre tão calma

és fértil flor, inigualável

 

esse espaço que é teu também me pertence

jardim de emoções que juntos partilhamos

somos íntimos e não o sabemos

na cegueira deste meio amor a que nos entregamos

 

em ti repouso, bem mais do que o olhar

nessa tua imagem que me perfaz

serenamente, sereno o corpo

contigo me deito num sonho vivaz

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

nada sei

por migalhas, em 16.07.24

não vivo, existo

sufoco, a cada dia

ou será a cada hora?

Que se arrasta, demora.

 

Tirem-me deste filme!

Que o guião é mau demais

os planos seguem parados

os personagens desesperados

 

Preso nesta farsa, não vou a nenhum lado

Angústia? Engulo-a em seco.

Respiro condicionado, peito apertado

As entranhas revolvem-se, eu revolto-me

 

E?

Nada, sempre na inexistência

envolto num nada pestilento

estático estou, em constante permanência

 

Congelado a cada aurora

numa espera que incomóda

vazio por dentro, por fora

assim deambulo eu, nesta ausência

 

E o pior de tudo é a consciência

Que a todo o segundo me assola

de que não sei o que busco

nem tão pouco o que me consola    

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

creio

por migalhas, em 12.07.24

creio

numa vida sem freio

sem amarras ou grilhões

 

creio

sem receio

numa vida sem limites

barreiras ou horizontes

 

creio

acredito nesse crer

de uma vida vivida

apenas e só

como se quer

 

creio

e por tanto assim crer

vou, mas em pranto

por não a ter conseguido viver

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

não vos quero pesar

por migalhas, em 10.07.24

Eu não me amarro

não me dou por todo

não ponho peso excessivo na bagagem desta vida

 

Pela metade sentir

não encher o copo

para depois ser mais fácil deixar ir

de uma vez, não pouco a pouco

 

Aligeirar, para menos ter que recordar

que a dor, o pesar

não devem, não podem

ser carga extra para quem ficar

 

Assim passo de passagem

Tão breve quanto leve

qual ramo ao vento, luz ao luar

que eu não vos quero por mim a chorar

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

tanto e tu nada

por migalhas, em 08.07.24

Tanto para ver, mais ainda para aprender

E deitas tudo a perder?

Tens tudo e mais ainda, semeado na tua mão

Mas o teu sonho é a destruição?

Belezas mil, outras tantas maravilhas

E na tua mente apenas e só armadilhas?

 

Não te interessa, não queres saber

É só o que tens a dizer?

 

Tamanho o desperdício, se me permites dizê-lo

Podias ser sábio, grande pensador

Mas o que te impele é criar dor

E nada te impede de fazê-lo

 

É em matar o próximo que vives obcecado

Sem olhar a quê ou a quem

É em tirar vidas que te sentes saciado

Numa fome doentia que não te detém

 

Estás a leste, perdeste o norte

Investes nessa peste, que será a nossa morte

 

Dessa mente demente

Pariste esta sociedade doente

Ele é ódio, é raiva

É tudo e é nada

É o que sempre quiseste

Nesta morte anunciada         

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

Chegado aqui

por migalhas, em 04.07.24

Chegado aqui

após esta maratona

tudo finda? ou o que me resta ainda?

 

Chegado aqui

contas feitas

qual o rescaldo? qual o meu saldo?

 

Chegado aqui

que mais me espera?

onde e com que propósito

que o que fui, já era

chegada que está a hora

 

Agora que aqui cheguei

longe das vistas, mais do coração

a quem fui chegado já nem sei

morto que estou de emoção

 

Quem amei, com quem privei

sabem eles que aqui me encontro?

neste estado privado de sentir

neste dia em que me sinto partir

 

Livre de tudo o que um dia fui

aqui chegado

são horas

sigo deitado

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)

Devolutos

por migalhas, em 29.05.24

Devolutos

estes meus sentimentos

janelas cerradas, já sem nada

nem portadas

o mundo por um fio

a luz, essa matriarca

agora finada

já sem nada

devoluta também

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira

A que sabe a noite

por migalhas, em 24.05.24

Essa noite eu já vivi.

Essa noite eu já conheci.

Essa noite foi a primeira noite com que me deparei depois de ti.

Perdido e sem rumo, nela entrei e nela me perdi, a pensar apenas e só em ti. Por isso essa noite sabe a ti, sabe de ti e não me deixa mentir quando digo que chorei ao te ver partir.

Depois dessa, muitas outras noites eu já vivi, perdido e sem rumo, desolado por não mais te ter a meu lado, de coração destroçado, alma escura como este breu que depois se fez em dia também, desde então.

Como um denso nevoeiro, a minha visão tolda-se sem nada a que se agarrar e por isso aguardo o teu regresso para então esta escuridão se dissipar e de novo à luz do dia poder voltar.

Sem receios de que de novo possa amar e nesse imenso mar de tantas ilusões, sentimentos e outras sensações, me seja outra vez permitido sonhar, com noites de luar e dias, enfim, brilhantes, nos quais dois amantes se banhem de luz sem que isso seja a sua cruz, mas antes a sua sorte em vida, a de alguém que encontra o seu par e nele se acolhe e conforta, nele encontra guarida.

 

© Copyright Miguel Santos Teixeira

Dia do Autor Português

por migalhas, em 22.05.24

Confronto-me com aquele ser na cruz e partilho da sua dor. Também eu fui brindado em vida com uma pesada cruz que arrastei a cada dia da minha existência e que tem sido presságio da minha morte anunciada. Também eu fui flagelado e milhentas chagas se me abriram em rios de sangue que verti em direcção ao imenso mar onde me vejo submergir a cada espaço de tempo. Não deveria haver permissão para tamanho sofrimento. À flor da pele ou profundo como o abismo em que nos deixamos cair, atraídos pela tentação, pela vida de ficção com que julgamos iludir a realidade. E esta não é a minha realidade. Fechado entre quatro paredes de um quarto nu, de tudo despojado. Agradeço a dádiva, a esperança em mim depositada, a ajuda que me foi dada sem nada exigir em troca senão a minha redenção, a minha abnegação à vida de pecado a que me submeti e que tem impregnado os meus dias. Lamento desapontá-los guardiões da fé, da crença num poder do além, mas essa promessa jamais a poderia cumprir. Pois não é esta a minha realidade. Sou animal selvagem e não admito cativeiro algum. Ninguém nem nada me priva da liberdade que me percorre as veias, que me permite respirar. Nem que isso signifique a morte. Pois também ela é libertação. A suprema libertação.

 

Excerto do projecto "Crónicas de Serathor", de Miguel Santos Teixeira.