o par vive de DOIS e ser ímpar é ser sozinho
ensaio
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ensaio
são parcelas de um tempo que se esvai
num tom particular, comum a todos
que um só olhar nunca diz tudo
nem voz alguma perdura, sequer se instala
como uma lenda ou mito ambíguo
que de concreto nada fala
num espaço que se crê contínuo
confinado a esta pequena mala
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
à distancia de meio dia
à ténue luz de uma vela
à margem de qualquer conversa
és tu assim, ainda mais bela
fosses tu uma rosa
e eu uma rosa fosse
à mingua de água
de um beijo terno e doce
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
E agora vou
e agora vamos, a encerrar
artistas de alma, de coração, eu e ele
eu, o falador, de cola e tesoura na mão
ele, meu irmão, que na guitarra encontrou a sua imensurável paixão
Dedilhamos temas e mundos paralelos
cortamos, encurtamos, estendemos, recompomos
não contentes, regravamos, camada sobre camada
nesta terra fértil, neste mar gigante
ao sabor de marés, de ventos e luas
da vida que verte límpida do ventre das ninfas nuas
Aqui moramos, mas é noutra realidade que habitamos
eu, alucinado pelas colagens
pelas viagens vividas nas milhentas mensagens
ele, pelas cordas enfeitiçado
as que acima abaixo percorre
numa ânsia, numa fome
que não se explica, que não tem nome
nem precisa
pois responde ao silêncio, à bravura das palavras que nas escarpas mais fatídicas se arriscam a viver
numa força e num querer
que só quem, como eu e ele
pode entender
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
há um mar de tanta gente
gente indiferente, gente impotente
gente imensamente descontente
gente demente
e que mente
com quantos dentes ostenta
que nem oito nem oitenta
nesta praça pública
nesta pública roleta
que ao som da trompeta
tocada a rebate
bate e foge
da mão morta que já nem encontra a porta
entre este mar revolto
de tanta gente dormente
aos céus e à terra temente
consumida por esta cinza inclemente
gente que já nada crê ou sente
hoje, agora, neste momento presente
amanhã, adiante, para todo o sempre
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
há uma fuga que se escreve
não planeada, inconsciente
mas que está lá, em cada viagem
em cada ida, a anteceder a partida
que fervilha, ganha vida e é combustível que me inflama de vontade
há uma fuga que me enlaça
me arrasta caminho fora, me atira para diante
me faz sonhar com amanhãs perfeitos, lá, para onde vou
de que o check-in é apenas preâmbulo
há uma fuga que me alucina
me engana a retina e tolda a vida, deixando-me em pausa
num limbo que visto como roupa de Domingo
tão lindo, tão imaculadamente feliz
tão embevecido com a vista daquele quarto impessoal de hotel
para onde, nem sei
mas é o que sempre quis, desde que aqui cheguei
Esta fuga, que me rouba à rotina
Que me distrai de quem sou a cada dia
Chama-se viagem ao mundo das alucinações
Sim, se calhar é uma droga, um alucinogénio à mão de semear
Se tiver dentes ou unhas para o tocar
Que depois há o voltar
Pés na terra, mãos ao ar
Que este sou eu
Não há volta a dar
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
O processo
Papel, tesoura e cola
assim ou por outra ordem
na desordem que é cada empreitada
na maioria das vezes demorada, lânguida e preguiçosa
que se demora a mostrar ao que vem
É matéria-prima que me serve os intentos
de criar uma teia de imagens retalhadas
de imagens fraccionadas, remendadas
que pela minha mente processadas, retornam assim, recriadas
É nestas alucinantes deambulações
que empreendo a fuga ao que me é comum
ao tédio da rotina, ao que me fere a retina
em partidas não planeadas, visceralmente desejadas
num abraço apertado
com que enlaço cada quadro
cada viagem para lá do universo
vou eu assim, alucinado
em paz com este meu fado
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)