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Nela ouso pensar
de sorriso no rosto de quem sabe que quer
ou se permite poder.
Com ela me quero deitar
nela me quero depositar
por entre juras e promessas
de dias ao sol, noites ao luar.
Parida de um cravo foi, espinho de rosa é.
Fez a cama, onde me deitei
deu-me a mão, que aceitei
enfeitiçou-me, e eu deixei.
Iludido, apaixonado
fez-me sonhar acordado,
quando o tempo todo assim vivi
apenas e só, enganado.
Não lhe vi a outra face
o âmago que é o seu
erro meu, meu enterro
que nela quis acreditar
Liberdade, Liberdade
que já nada tens para me dar
© Copyright Miguel Santos Teixeira
De quem vieram as ordens para avançar com a revolução?
Pouco se sabe.
Mas pressões de um insatisfeito grupo de militares, podem ter despoletado o processo.
Queriam a mudança, o corte com a ditadura, mas sem derramamento de sangue.
Para mostrarem ao mundo que era possível cortar sem fazer feridas.
O pai, militar orgulhoso de ter integrado a bem-sucedida operação, mostrou ao filho a metralhadora.
A G3, com o cravo cravado no cano a travar a saída de uma munição que fosse.
O filho, sem perceber o que se passava, mas visivelmente contagiado pelo entusiasmo do pai, pegou no cravo e cheirou-o.
O pai baixou a guarda e agora o cravo já nada podia deter.
Nem mesmo a bala, que, fatalmente, o atingiu pelas costas.
Lá fora, a celebração subia de tom.
Já no chão desta casa, um outro tom, este vermelho sangue, desabrochava.
Inocente, a criança olhou o pai inerte, o soldado tombado.
Era dia de festa.
© Copyright Miguel Santos Teixeira
Ler, mas com cabeça.
Miguel Santos Teixeira
O dia. Mundial do Livro.
O Pensamento. Ler todas as obras literárias alguma vez publicadas, nesse único dia.
O plano. Insano, no mínimo.
Reunir os biliões de textos que, século após século, haviam sido selecionados para se partilharem com os leitores e, de uma penada, consumi-los todos. Uma penada de 24 horas, mas ainda assim uma brevidade assombrosa, atendendo às pretensões do projecto.
E as pausas? Para alimentação, necessidade básicas, higiene. Rentabilizar cada uma, era a palavra de ordem. Quem nunca leu na retrete, à mesa entre garfadas ou mesmo enquanto lava os dentes?
Os obstáculos maiores, as armadilhas, as impossibilidades, tudo isso é obra maior da nossa cabeça. Ela que é perita em imponderáveis que dificultem o bem-sucedido, em problemas ou dificuldades que impeçam os propósitos a que nos propomos. Razão mais do que suficiente para a eliminar da equação. Pô-la num cepo e ordenar ao carrasco:
- Ó tu, do capuz preto enfiado até à medula!
- Are you talkin’ to me?
- Vês aqui mais alguém enfiado num capuz preto ridículo como esse?
- Sei lá, pouco consigo ver à volta com isto enfiado cabeça abaixo.
Pois, que mais poderias ser senão carrasco – sussurrou.
- Sim, tens razão, de facto a tarefa parece de um grau de dificuldade elevado.
Para os teus parâmetros, então, nem se questiona. Voltou a sussurrar. Só davas mesmo para carrasco.
- Mas adiante. Tens um tempinho ou estás muito ocupado?
- Quem eu?
- Epá, começas a deixar-me em dúvida se deva recorrer a ti mesmo para o que estou quase a pedir-te.
- Não entendi.
- Também pouco interessa para o efeito.
Para além de que não me surpreende – novo sussurro.
- Bom, sem delongas e directo ao assunto: cortas-me a cabeça ou tenho de o pedir a um amigo secreto?
- Se quiseres que tudo fique em segredo, comigo não contes. Que eu conto cada cabeça que corto e até tenho um bloquinho onde assento tudo. Para além de que também conto tudo aos meus parceiros de copos na taberna, ao fim de cada dia.
- Certo. A ideia é só deixares cair o machado sobre este pescocinho macio e tenrinho e deixar que essa lâmina afiada cumpra o seu propósito. Achas que consegues? Tens um tempinho para isso?
- Tipo agora? É que estou aqui numa troca de mensagens que ainda pode demorar.
- Daí ter-te perguntado se tinhas um tempinho para isso.
- Ter até tenho. Acho que consigo arranjar aqui uma vaga por volta das três da tarde. Dava-te jeito a essa hora?
Já estou por tudo – algo sussurrado.
- Negócio fechado às três!
- Às três é quando abro o negócio, não entendeste. Queres que te explique de novo?
- Não, não, deixa estar.
Com este, um gajo perde a cabeça mesmo antes de ele a cortar, chiça!
O tempo passou e a hora agendada aproximava-se.
O gajo da cabeça, ainda com ela sobre os ombros, regressou ao convívio do carrasco e foi dar com ele, sem surpresa, a trocar mensagens. Que certas profissões exigem muito do competente profissional. O cuco anunciava as três da tarde e nesse instante o carrasco trocou o ecrã pela vida real. Ao fundo, o seu próximo cliente.
- Foi você que marcou para as três?
- Sim, sou eu mesmo.
- E acha que está preparado para o que lhe vou fazer?
- Bom, preparado a pessoa nunca estará inteiramente. Afinal, não é todos os dias que agendamos a subtracção de uma parte tão importante do nosso corpo.
- Pois, eu só pergunto que é para depois não virem dizer que afinal se arrependeram, e isso.
- Pois, seria algo complicado de fazer após a sua intervenção.
- Você é que sabe. Então vamos?
E lá foram eles, lado a lado, rumo a um espaço ermo e massacrado pelo sol abrasador. No meio daquele nada, um cepo. Ou dois, se contarmos agora com a presença do carrasco. O terceiro elemento, não se incluindo propriamente nessa classe, não deixou de repousar a sua cabeça naquele cepo amigo, como que aguardando por alguma consolação. Uma insolação, talvez. Mas seria por pouco tempo. Que o profissional do machado depressa o segurou e elevando-o no ar, que rasgou de rompão, num ápice deixou-o abater sobre aquele pescoço indefeso. Sobre aquela ponte que unira cabeça ao tronco. E nem o diabo havia acabado de esfregar o olho e já o pobre decapitado saldava a sua dívida, fazendo-o, se bem que por todo manchado de sangue, por MBWay. Operação concluída!
Um cumprimento breve e agora poderia ingressar em qualquer espectáculo sem pagar. Pois, como todos sabem, quem não tem cabeça não paga nada.
Satisfeito com a decisão, embora não se pudesse adivinhá-lo no seu rosto, o feliz decapitado tinha agora pela frente um desafio um pouco mais abrangente que qualquer um outro que a sua ex-cabeça lhe pudesse impor. Não pensara no assunto então e agora tal tarefa tornava-se ainda mais problemática. Como raio ia ele ler tanto livro num único dia se, entretanto e com tantas voltas e reviravoltas, já estava no dia seguinte ao dia mundial do livro? Sentou-se, colocou o espaço que fora da cabeça entre as mãos e chorou. Quer dizer, se ainda tivesse olhos. Suspirou fundo, se ainda tivesse vias nasais, e largou um sonoro desagrado, caso ainda o conseguisse por via da boca que agora lhe fora igualmente subtraída.
Perdera a sua oportunidade. O plano não correra como o previsto. E com tudo isso, tinha agora ainda a árdua tarefa de adiar todas as suas leituras sine die. É o que dá dar ouvidos a quem menos interessa. Neste caso, a um carrasco.
Moral da história: Leiam. Tudo o que podem e enquanto podem. Não vá um dia ficarem com cataratas.
FIM
"Os primeiros passos numa área tão sensível e complexa como a poesia só podiam ser frágeis.
O olhar, intimista.
O registo, o tom, vezes sem conta negros, como os hábitos de quem vive constantemente questionando-se sobre o porquê de assim ser, de assim estar.
As palavras, soltas, sem freio ou receio do que possam consigo carregar.
Tudo aqui exposto, perante o vosso olhar."
Abril de 2011
Corria o ano de 2011, quando me decidi a editar esta minha primeira aventura pelo mundo da poesia.
Edição de autor, da capa ao miolo, por estas páginas dava a minha entrada naquele que viria a ser um dos meus mundos predilectos para habitar.
Hoje, Dia do Livro Português, lembrei-me de o recordar e de o sugerir, a quem aprecie este género literário e de arte, por que não dizê-lo.
Deixo aqui as indicações para quem o queira adquirir, o que, desde já, agradeço.
https://www.bubok.pt/ventasrrss/index/3564
Boas leituras!
acabo de morrer
deixei de olhar, de ver
o meu pénis entesa-se na perspectiva de me sobreviver
é dor, é prazer
num duelo de forças que não permite saber
quem sobrevive, quem no fim irá perecer
pesado ficou o ar
assim a terra, fogo e mar
deposta a derradeira vontade
num augúrio de imparável mortandade
coisa cortante, matéria nefasta
que a todos arrasta
a todos dilacera, nunca pela metade
sem credo ou idade
qual canto do cisne
capítulo final
assunto encerrado
pena capital
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
desespero
pelo que não vejo, pelo que não sinto
desespero
por esta névoa que tudo me oculta
me cala a voz e a visão impede
desespero
porque não te entendo, nem quero
porque vivo surdo e mudo e nunca acordado
porque não sinto outro estado que este de viver amarrado
mãos, pés, pensamentos
tantos os tormentos
que em mim habitam enclausurados
desespero
pelo que não se vê, não se sente
mas oprime, asfixia
subtrai vida a nascente, vida subtrai a poente
na maré cheia, na maré vazia
sem tréguas ou misericordiosa compaixão
desde a tenra hora, à hora de me unir a este chão
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
Acordei e morri.
Nem um suspiro, um sussurro e faleci.
Um instante, uma efémera memória, foi tudo o que ficou de mim.
E a terra húmida a cobrir-me o corpo nu.
A ver-te partir, vida que nem vivi.
Olhos raiados, cegos, surdos e mudos de tudo aquilo que nunca vi.
Ali especados, incrédulos, a olharem o mundo como só eu o vi.
Que carrego tão leve é este, que nem o senti?
Foi por viver breve?
Que nada, nem ninguém.
Apenas o diabo que me leve.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por quantos infernos já passei?
enclausurado ao mundo empírico e por ele ignorado
dele repelido como um escravo a que nada é permitido
nesta vida que nos cobra cada registo falhado
em papel timbrado, em folhas repassadas e com elas a história
o tempo que se escoa e eu com ele
de tudo afastado e neste estado omitido
que o nada se interpõe e de mim faz troça
ao que faço faz vista grossa
e cínico no ar espalha a mentira
que repetida aos sete ventos se torna verdade
maior a crueldade
para quem se queria parcela deste mundo
mas nele perdeu quanto tinha
a fé, a esperança, a identidade
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
há uma ideia da morte
feita apenas em vida
de que ela nos é devida
como coisa merecida
no fim desta corrida
que um dia nos foi oferecida
como a mão da noiva comprometida
a que juramos fidelidade indefinida
como indefinida é a vida
e essa morte prometida
como cada passo que nos conduz
de um extremo ao outro desta linha em que avançamos
rumo à luz
que, por fim, alcançamos
às cegas, é certo
que nada é o que julgamos
de identidade indefinida
o que faz, faz sem maldade
como coisa merecida por esta vida oferecida
que não escolhe idade
ou tempo de validade
agora e na hora da nossa
seja feita a sua vontade
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)