por migalhas, em 13.03.24
estás a um passo dessa linha
com que um dia te marcaram
com que um dia te travaram
imposta desde a primeira hora
de que não reténs memória
estás a um simples passo
dessa linha esmagadora
fina, leve, avassaladora
que te foram quantas horas
e de que não reténs memória
estás a um passo dessa linha
dessa constante assombração
coisa riscada no chão que pisas
que te impediu cada acção
agora te lembras
desde a primeira hora
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 07.03.24
não sei o porquê de seres tu
entre incontáveis figuras
frágeis e tão pequeninas
a brincarem às vidas neste lar pedregoso
a olharem o céu à noite e a depositarem desejos numa singela estrela
a rezarem para que assim, por mim, por este e por aquele
na ilusão de um amanhã a todos omitido
revelado ao minuto, nunca de véspera
e logo tu, de entre tantas respirações que se sustêm
como sementes, miraculosamente germinadas
como folhas, de verdes a douradas
num ciclo de vida que nos leva a galope
por entre dias céleres e afazeres sem conta
ele que nunca faz de conta, sempre se perfaz depressa
que a sua missão é essa
passo estugado, olhar adiantado
numa cilada que a todos deixa asfixiados
por ele rodeado, a toda a volta, por todo o lado
a cada espaço mais e mais mirrado
e menos uma hora
e lá se foi outra aurora
e tu, de entre todos estes crono serviçais
filhos de uma rota pré determinada
toalha ao chão e nada mais
impassível, num olhar que se demora
eternizado neste que sou agora
que amanhã não sei
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 24.02.24
hoje faço anos
nasci faz tempo e nem dei por ele, entretanto
aqui cheguei, qual naufrago
para a missão que me foi atribuída
sem roupa ou noção, logo chorei
como que a prever
dei os primeiros passos e fui andando
e nem dei por aquilo que andei
era tudo mais fácil, era um mundo adiante
eram sonhos e ambições
era uma vez, como nas histórias
e hoje faz anos que aqui cheguei
o naufrago envelheceu
a ilha como que encolheu
e com ela o tempo
e a distância que falta andar
hoje já sei andar, mas tropeço de vez em quando
já sei falar, mas evito-o
já me canso e sinto o avanço
disfarço este aperto e dou por mim a recuar
a recordar
de novo a chorar
será por que nasci faz tempo?
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2024)
por migalhas, em 22.02.24
no encantamento do mar revolto
me torno omisso
na fúria de uma natureza animal
me perco
nas malhas de uma rede que me capta a essência
me liberto
na fria rebeldia de um manto eterno
eu descanso
ao mar, ao mar
intrépido oceano que se abre de par em par
eu, homem, me lanço
me entrego, sem receios ou dúvidas
que a vida é um curso de água que desemboca num rio
nele circula por entre vales sem nome
para no mar desaguar
e neste se espraiar e naufragar
morrendo, por fim, nessa fundura infinita
de uma beleza inaudita
assim seja, bendita.
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2013)
por migalhas, em 18.01.24
Sorrir é uma utopia
Sorrir é uma utopia
Sorrir de quê?
Lá piada, tem
Saber que agora estou, agora fui
E o que ficou?
Choros? Lágrimas?
Ou meio-sorrisos de idiotas chapados?
Riem-se de quê?
Olhem-se ao espelho e chorem
Chorem por serem o que são
Uns merdas que nunca dão a mão
Que fingem que sim, mas sempre não
Escarninhos, preconceituosos, mal-amanhados
De educação falhados
Uns tristes fados
Por isso chorem, que sorrir é uma farsa
Tal e qual o que criam, ou julgam alcançar
Que daqui seguem viagem
não um, mas todos
de mãos a abanar
© Copyright Miguel Santos Teixeira (2023)
por migalhas, em 01.06.23
É a civilização quem ordena erguer cidades, exige derrubar árvores.
É ela quem estende viscosos tentáculos até onde o vento se sente escassear.
Espreito esta nesga de tempo enquanto posso
e nela refugio o olhar cansado que ainda consigo.
Aqui estou perdido.
Eu e a mente por onde ecoam as vozes, tantas quantas as perdidas, como eu
distante que nem os passos todos que pudesse ainda dar
este tempo fez-se tempo passado
filho bastardo de um rumo há muito também perdido
que da vida já nem sinal.
“Mas não faz mal, pois não?”
Na inocência de quem é criança e nunca deveria deixar de o ser.
© Copyright Migalhas (100NEXUS_2011)
por migalhas, em 30.05.23

por migalhas, em 26.05.23
