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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Segredos roubados

por migalhas, em 26.09.07

O crepitar da fogueira, fagulhas que se soltam, o braseiro que abraça cada tronco recém-chegado. Um clarão na noite, que as altas labaredas ajudam a cimentar. Noite estrelada, fogachos de memórias soltas, avulso. Cortam a noite, mais afiadas que o agreste frio que se sente. A vasta extensão perdeu-se de vista. A escuridão toma conta do recado, faz refém a nossa mente. De tudo se serve para nos subtrair uma confissão. De dia é diferente. O que os olhos vêem não mente. Sob a claridade prepotente tudo se distingue, real em forma e conteúdo. Na calada da noite tudo se mostra indefinido. Tudo se ausenta. Nada de cores, de pormenores, apenas silhuetas, coisas maiores. Na noite preta é fácil focar o pensamento, chamá-lo à razão, encontrar-lhe sustento. Solta-se na essência do disforme enorme e mostra-se difícil de domar. É apaziguadora, a noite, mas esconde outra face, sedutora. A que, dissimuladamente, atrai ao seu abrigo, ao seu esconderijo, armando uma cilada sem volta a dar. Capturada a presa, aplica-lhe o golpe misericordioso, sem apelo nem agravo. Sem ponta de piedade ou compaixão alguma. Um após outro, todos vão ao seu encontro, como servos desprovidos de vontade, marionetas manipuladas por mãos mestras, sabedoras. A arte de nos obrigar a expor o que apenas a nós deveria dizer respeito. Deixamo-nos ir, arrastados pelo seu doce veneno, por promessas nunca cumpridas. Na noite escura despimo-nos de nós mesmos, despimo-nos da couraça que nos sustenta, deitamos por terra as máscaras e somos, por fim, transparentes. Claros como a mais pura e límpida das águas que teima em beijar o solo desértico que nos acolhe hoje, nesta noite reveladora, de segredos forçados, involuntariamente contados. Avassaladora, a um limite insustentável. Depois desta não haverá outra igual. Nem nenhuma outra, qualquer que seja. Nenhuma outra fogueira verei crepitar, nenhuma outra ajudarei a alimentar. Porei fim a tudo e aqui neste deserto distante a meu lado enterrarei os segredos que comigo transportei e que nesta noite, infantilmente, revelei. Caí na cilada. Da noite malvada. Da noite apenas ferida, apenas violada, pelo clarão que ajudei a nascer, vi crescer e horas mais tarde me viu morrer.

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