Esplanada, 33 graus
Esplanada neste dia de 33 graus. Jecas e tremoços em barda. Uma sombrinha e uma vista deslumbrante sobre o rio. A manhã vai correr célere e o tempo abrandará lá pela hora de almoço. Assim mesmo, lento. Hora e meia que mais irá parecer uma eternidade. E as jecas a escorrer rumo a um estômago quente, que as acolhe de tripas abertas! Um arroto após outro, entre duas idas ao WC, e eis que voltam à mesa, frescas como viçosas alfaces acabadas de colher pela madrugada. Louras, pretas, ruivas, venham elas que as nossas gargantas sequiosas dão-lhe seguimento. E quando olharmos em redor e tudo virmos a triplicar, sabemos que é hora de pedir uma última, aquela que nos vai deixar definitivamente a dormir!
... encontrando o seu amigo semimorto, logo abaixo do tampo da mesa, procede lentamente à sua reanimação, despejando-lhe lentamente o néctar da vida pelas goelas abaixo. Não mais o abandonaria, pois o seu estado era crítico e precisava de assistência constante, novamente ao interior.
Manda vir mais uma, aquela que o vai recompor. Ele reabre os olhos e vê, acreditando que as suas preces foram ouvidas. Gole após gole sorve com vigor cada gota daquela poção pronta a dar-lhe uma segunda oportunidade.
O néctar da vida que lentamente o revigora. E com esta se vai, definitivamente. Rumo a um coma que o faz pairar cinco centímetros acima do seu próprio estado físico. Sobrevoa a sua presença e olha-a sem surpresa. Sabe que vai para melhor, para a terra da eterna frescura. Não sem antes a sua mão cá fora lançar, para uma última dose de tremoços reclamar.
Jura a si mesmo que será a última vez que se envolverá em tão estranhas andanças. Já o haviam avisado e os sinais da vida não o deveriam ter enganado em tão importante questão. O trabalho é para todos menos para ele. A sua função neste planeta não será só essa. Existem mais altas esferas para girar.
Assim, sim. Vai realizado. Satisfeito por esta sua última bebedeira ter sido com um seu amigo homem. Não deixa mulher, nem filhos, apenas aquela saudade de com os copos vibrar e de muitas garrafas cheias ajudar a esvaziar. Lá vai ele, a caminho da tal luz de que tanto se fala.
Perdeu a razão, talvez. Perdeu o tino que nos faz mortais.
Será que por lá também servem imperiais?
Se não servirem ele já decidiu. Não vai. Ouviu dizer que no paraíso existem mínis, bem como imperiais servidas em copos refrescados. Mas ouvir dizer não é o mesmo que, com toda a certeza, saber. Por isso, na dúvida, trava o seu ritmo, olhando para o que resolvera deixar para trás. Indeciso, relembra que poderia não ser o céu na terra, mas que nunca lhe faltou que beber. Hesita, balança e quando o médico de serviço se prepara para anunciar a hora da sua morte, eis que dá sinal de vida.
Afinal reconsiderou e decidiu-se a uma derradeira viagem por este lado de cá.
Safa! E se não houvesse cerveja por lá?! Mais vale prevenir. É mais seguro por aqui ficar.
- “Graças a Deus!” - Berrou a enfermeira espavorida e nervosa face à possibilidade de ali o ver finar-se.
- “Tragam cervejas para todos! Muitas e frescas, que este homem resolveu continuar connosco. Na nossa presença, a apreciar que os dias também podem ser feitos de dois dedos de conversa e uma jecas frescas pelo meio. Haja alegria e, quem sabe, também Casal Garcia“.