Pela manhã
Pela manhã tudo parece nublado. As pálpebras pesam, sujeitas à força gravitacional do sono sobre as órbitas desta e de todas as terras imaginárias. Por que nesse instante acordamos de um estado dormente profundo, retemperador, que nos restituiu forças e nos incute nova motivação para seguir em frente. Até pode ser que sim. Mas nessa altura precisa, aquela em que usamos de toda a força que nos falta e que não sabemos onde ir recuperá-la para abrir um olho que seja dos dois que se quedam ali, preguiçosos, nada disso nos parece razoável. Mais queremos que nos deixem em paz, a acordar devagar, muito devagarinho, como se todo o mundo desabasse ao primeiro sinal de pressa ou de descontrolo involuntário. Não existe sensação como aquela, que nos consome pela hora de acordar, acto a que somos sujeitos por obrigação e nunca de boa vontade ou iniciativa própria. Aquele é um momento crucial do dia, pois pode condicioná-lo efectivamente ao longo das horas que ainda nos disponibiliza. Do modo como acordamos depende o nosso mood, a nossa disposição, toda a nossa disponibilidade mental para o resto do tempo que sabemos ir permanecer acordados. Pois que no seguinte, nova alvorada lhe dará continuidade. Por isso é de evitar acordar com os pés de fora. Mais que não seja para impossibilitar o estado irritadiço que lhe está associado de tomar as rédeas da nossa disposição e fazer desse um período de tempo apenas para esquecer. Bom mesmo é poder ficar na sorna. Naquele dorme, acorda, dorme, que mais não é que um encadeado de preguiça e sonos em atraso acumulados dias a fio. Mas para isso existem alguns requisitos fundamentais, onde se incluem ser dia de descanso (vulgo feriado ou fim-de-semana), não existirem planos que impliquem alvoradas fora de propósito ou a não existência de filhos pequenos, sendo que isto do ser pequeno é muito, bastante mesmo, relativo. Cumprindo com estas formalidades, a sorna é possível e dormir mais um bom par de horas, para além daquelas que servem de base ao comum dia de trabalho, torna-se real. É o acordar com tempo, o encarar o dia devagar e sem sobressaltos, que faz com que tudo se mova ao seu ritmo, sem acelerações escusadas ou stresses de todo inadequados. É essa a manhã perfeita, o acordar de sonho. E se lhe juntarmos uma mulher com o desejo premente de saciar as suas necessidades de um certo foro que aqui me escuso a revelar, então estaremos muito perto de lá chegar, ao reino do paraíso em terra. Pena é que algo tão simples como um acordar pacífico, como todos deveriam ser, seja algo tão raro e cada vez menos comum na vida de cada um. Por que se é para acordar aos repelões e recordar o acto de dormir como um pesadelo de que se desperta, então mais vale não desperdiçar tempo a fazê-lo. Principalmente por que, tempo para dormir, é o que não nos vai faltar quando batermos a bota.