Afinal existe outra
Tudo na vida tem um princípio, meio e fim.
A própria vida começa num nano segundo, fruto de uma incrível e improvável combinação que despoleta um processo que, daí em diante, avança a uma velocidade vertiginosa impossível de controlar seja por quem for e que só termina na hora da nossa morte, amén.
Mas há quem defenda que existe uma outra vida que nos acompanha passo a passo, tal e qual uma rua ou caminho paralelo àquele que todos os dias seguimos e que julgamos único. Dessa vida, que passa por todos nós sem dela darmos conta, faz parte todo o conjunto de alternativas que nesta não se concretizam pelas mais diversas razões. Coisas que aconteceriam se, num ou em mais determinados momentos da nossa vida, tivéssemos feito isto em vez daquilo, se tivéssemos optado por seguir por aqui e não por ali, se temos tentado isto na vez daquilo. Tudo teria sido realmente diferente. Com outras consequências, que obrigariam a rescrever toda a nossa existência, aquilo que somos ou aquilo que, devido aos nossos actos, se procedeu assim e não assado. Apenas por que num certo instante da nossa vida demos um passo em vez de outro ou escolhemos o que estava mesmo ao lado do que deveria ter sido. Ou não. Por que ninguém nos garante que se chegados à bifurcação tivéssemos seguido o outro caminho, as coisas teriam corrido melhor. Diferentes, seguramente. Mas melhor? Teríamos tido uma vida assim tão mais formidável? Talvez fosse precisamente o oposto e a vida nos tivesse sido madrasta. Por isso nunca saberemos se era por aqui ou não, nem nunca iremos saber. A não ser que... A não ser que tenhamos essa coragem. A coragem de visitar aquele sítio de que apenas alguns têm conhecimento. Um sítio especial, pois que especial é podermos assistir em tempo real ao que protagonizamos naquele preciso segundo do lado de lá da nossa existência. Na tal vida paralela que nos segue como uma sombra, mas que nunca se chega a cruzar connosco. Visitar a loja onde é possível ver o outro eu. Confrontarmo-nos com o aquele que poderíamos ter sido. O nosso caso contrário. O proprietário, um jovem que um dia por mero acaso se dedicou a olhar a montra e do outro lado se viu a ele numa outra actuação, nunca mais envelheceu desde esse dia. Arranjou maneira de comprar o espaço e daí para cá tem permitido a outros como ele que se deslumbrem com as sombras daquilo que são noutra dimensão ou poderiam ter sido nesta, caso tivessem apanhado um táxi em vez de um autocarro, ou tivessem atravessado a rua naquele semáforo e não no seguinte. Poucos conhecem este refúgio, mas os que já tiveram o prazer de nele se reverem, não mais deixaram de lá voltar. Pois é fascinante podermos olhar-nos ao espelho e vermos um outro eu, com outra vida pessoal, outra vida profissional, outra perspectiva face à vida, outra disponibilidade face ao mundo que também daquele lado nos acolheu e de nós espera sempre o melhor. É o mesmo que nos observarmos do lado de lá da montra sem sabermos, ou sequer imaginarmos, que nos estamos a mirar a nós mesmos. Tão estranho e, no entanto, tão viciante. É que somos nós, ali expostos aos nossos olhos, como queríamos que tivéssemos sido ou aliviados por sermos assim, quem somos. O lado b desta vida, a outra face da moeda que aqui jogamos, o eu paralelo que nos obriga a viver duplamente, um sósia gémeo do nosso ser que se julga filho único, mas habita ambos os lados da fronteira com igual fulgor, vontade, desejo. Estamos aqui e ali, num simultâneo impossível de equacionar até nos ser mostrado. Nós feitos nós na montra das vidas que vivemos. A par. Tão perto e ainda assim tão longe e difícil de imaginar.