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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Natal (i)legal (Parte 2)

por migalhas, em 23.12.05
(Continuação)
Bem dito, bem feito. Logo na primeira noite tentaram a sua sorte, não sem antes aquecerem as válvulas com uns quantos goles de aguardente barata, pois que as fantasias haviam saído mais caro do que imaginavam. O frio intenso assim o exigia e se a coisa não corresse como esperavam, sempre podiam aguentar as condições climatéricas um pouco melhor. Dividiram-se, e enquanto um trepava ao rés-do-chão de um prédio da Mouzinho da Silveira, o outro, mais afoito, subia ao primeiro andar de um apartamento na zona chique da Lapa. E se por um lado a aguardente se revela eficaz no combate ao frio, por outro resulta de forma indesejada face à lucidez ou mesmo à presença de espírito. Subir a que altura for já de si não é tarefa fácil, quanto mais sob o efeito nefasto do álcool. Algo que os dois depressa puderam constatar. Ninguém lhes havia dito que aquilo iria ser uma pêra doce. Embora contassem comer algumas, a meias com uns sonhos e umas rabanadas molhadas em açúcar derretido, após a missão possível a que se propunham. Também a má forma física não os ajudava. Aliás, nada parecia querer contribuir para o Natal que tinham imaginado. Não foi por isso de estranhar que ambos fossem apanhados em pleno acto de intrusão ilegal em espaço privado, pelas forças da autoridade vigente. Alertados pelos vizinhos dos apartamentos contíguos àqueles a que apontavam baterias – também eles alertados pelo excesso de barulho em forma de um vernáculo irrepreensível –, os agentes da lei comunicavam às respectivas centrais a captura de dois Pais Natais alpinista que, à boleia dos seus congéneres de plástico, tentavam penetrar em lares alheios e momentaneamente vazios de conteúdo humano. Ou a coisa se revertia de uma coincidência quase impossível de conceber, ou aquilo era trabalho combinado de uma dupla de malfeitores cuja categoria muito deixava a desejar. Já nos calabouços da judiciária, horas mas tarde, ambos concluíram que, afinal, as contas até nem lhes tinham saído assim tão trocadas como isso. Afinal sempre iriam ter comida quente, cama e um tecto, na noite de Natal. E se o juiz fosse justo para com a coragem e originalidade dos seus actos, então talvez pudessem contar com o prolongamento desta situação que, mais não era, que uma resposta às suas preces mais recentes. Em resumo, nada disto fora em vão. Antes pelo contrário. Este era de longe o melhor dos natais que experimentavam em alguns anos. Como que a provar que, afinal, vale sempre a pena. Mesmo que esta seja pesada! FIM