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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Retrato de vida

por migalhas, em 20.01.05
Esta manhã passei por uma pastelaria e, coisa rara em mim, entrei para tomar o pequeno-almoço. Coisa rara, pois considero um gasto escusado que faço por evitar, tomando-o em casa. Ainda espreitei para interior primeiro, só para averiguar o ambiente, e desde logo senti atracção pelo mesmo. Não que tivesse uma empregada boa a servir às mesas em patins, de mini-saia e com um decote pronunciado, nada disso, mas porque senti um outro tipo de calor humano que, ali, claramente, se fazia sentir. É certo que a média de idades da clientela - a que me juntei, obviamente, para a contagem - devia rondar os sessentas e muitos, dada a quantidade de pessoas idosas que ali se acomodavam. Idosas, é verdade, mas nem por isso esquecidas de como é essencial, e fica sempre bem, uma apresentação cuidada. O convívio, o diálogo, a camaradagem de quem se conhece há algum tempo eram visíveis, mesmo para quem acabara de chegar e nunca ali se tentara a entrar. De um lado os homens, que num grupinho de cerca de sete discutiam o passado da vila de Oeiras e tudo aquilo que esta já teve e deixou de ter. Do outro, as senhoras. Trajando de forma irrepreensível, quase a fazer crer que se haviam enganado quanto ao sítio. Mas não. Depressa percebi que aquele é o seu ponto de encontro diário onde, entre outras coisas, analisam ao pormenor as últimas fofocas do jet set nacional que lêem avidamente nas revistas cor-de-rosa. Não consegui esconder um ou outro sorriso, pois senti-me como que colocado numa pintura cujo tema retratava o dia-a-dia de alguns dos “velhotes”, neste caso, de Oeiras. Outros há que preferem o jardim, onde, também em grupos, jogam o seu dominó, as suas cartas ou discutem os assuntos, antes banais, mas que agora lhes preenchem o tempo por inteiro. Finda a curta refeição, levantei-me e saí. Saí, não sem antes deitar uma última olhadela para trás, para aqueles que, mesmo depois de toda uma vida preenchida com muitas e variadas histórias, continuam a tentar dar sentido ao tempo que ainda lhes resta e que sabem já não ser assim tanto como isso. Mas pelo menos mantêm o interesse pela vida. Não baixaram os braços e desistiram. Não ficam em casa o dia inteiro em pijama vidrados no ecrã da televisão. Saem à rua, mantêm-se activos, convivem, vestem as suas melhores roupas e, acima de tudo, divertem-se. À sua maneira, é certo, mas sugam a vida até ao tutano. O que, para muitos, inclusive bem mais novos do que eles, deveria ser um exemplo. Por alguma razão se diz que devemos aprender com os mais velhos. Pelo menos com estes, que hoje conheci, vale a pena, sem dúvida.

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