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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Women’s prize for fiction 2020 shortlist

por migalhas, em 24.04.20

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A shortlist do Women’s prize for fiction 2020, agora anunciada, é liderada por 3 nomes de peso, Mantel, Evaristo e O'Farrell.

Os finalistas do prémio de £ 30.000, anunciados após uma "longa reunião do Zoom", foram elogiados pelos juízes por se envolverem com as maiores questões contemporâneas.

The shortlist

Vamos ver o que dá o anúncio do vencedor final no próximo dia 9 de Setembro. Data que, por motivos relacionados com o Corona Vírus, teve de ser reagendada, estando inicialmente prevista para 3 de Junho.

 

Até lá, saibam tudo aqui:

https://www.theguardian.com/books/2020/apr/21/womens-prize-for-fiction-shortlist-hilary-mantel-bernardine-evaristo-maggie-o-farrell

 

Boas leituras.

Dia Internacional do Livro Infantil

por migalhas, em 02.04.20

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Não tendo nenhum livro infantil editado, deixo aqui uma história para os mais pequenos, sempre com uma piscadela de olho aos mais crescidos.

O prédio que não quis crescer

Por Miguel Teixeira

 

Aquela fieira de prédios altos e majestosos, muitos deles a tocarem os céus, só era diferente de todas as outras fieiras de prédios, igualmente altos e majestosos, por uma pequena, mínima, razão, que quase nem se dava por ela. No meio dos seus gigantes irmãos, um minúsculo prédio, quase insignificante, mantivera a sua baixa estatura, resistido à tentação de crescer, de acompanhar os seus vizinhos naquela louca corrida às alturas. E de tal forma mantivera essa sua ideia – muito à conta de uma enorme teimosia - que já ninguém sequer tentava falar sobre o assunto. Passara a ser natural para todos os outros, viver paredes meias com uma “amostra de prédio”, como ainda lhe chegaram a chamar. Provocações a que não deu qualquer importância, convencido que estava da sua ideia fixa de ser assim mesmo, pequeno. Nada o mudara antes, da mesma forma que nada o iria mudar agora. Passados os piores momentos - aqueles iniciais em que a sua teimosia muitas discussões provocara – todos viviam agora em perfeita harmonia e plenamente convencidos de que assim seria para todo o sempre. Havia, no entanto, um prédio, a alguns quarteirões de distância, que ainda hoje não se conformava com esta situação, na sua opinião, ridícula. Por que razão aquele prédio se recusara a acompanhar o crescimento dos seus irmãos? Que estranha ideia o levara a tomar tão insólita decisão? Não querendo dar parte fraca – mas remoendo aquele assunto todos os dias, durante anos a fio – o inconformado prédio, de duzentos e trinta e três andares, lá se decidiu a questionar o parente que ele próprio considerava muito afastado.

  • Ouve lá, ó pequenote.
  • Estás a falar comigo?
  • Claro que estou a falar contigo. Vês aqui mais algum prédio a que possa chamar pequenote? – perguntava o enorme arranha-céus, agora todo encurvado como única forma de se chegar mais perto.
  • Não gosto que me chamem nomes associados ao meu tamanho.
  • Tudo bem, é justo. Não volto a fazê-lo. Mas há uma coisa que me tem dado a volta à telha e que gostava de esclarecer contigo.
  • Muito bem, fala.
  • Tem a ver com a tua altura.
  • Pois que outra coisa poderia ser! – desabafou – Conta-me lá então o é que tem a minha altura? – questionou em resposta, preparando-se para argumentar o que tantas vezes já repetira a outros curiosos como ele.
  • É que é muito baixa.
  • Pois é. E isso incomoda-te?
  • Não, incomodar não me incomoda. Mas, digamos, faz-me alguma confusão.
  • Faz-te confusão?
  • Sim, faz-me confusão porque é que tu não queres ser alto como todos nós. Tu alguma vez tocaste os céus ou experimentaste a sensação única que é ver tudo lá bem do alto?
  • Não, nem preciso.
  • Fazes ideia da vista espantosa que todos temos lá de cima e que tu, aqui de baixo, nem imaginas?
  • Mas quem é que te disse a ti que a vista que tenho aqui de baixo não é tanto, ou mesmo mais espantosa, do que a que tu tens lá de cima?
  • Essa agora! Como é que isso é possível?
  • Eu digo-te. Vocês cresceram, uns mais do que os outros, mas sempre com o objectivo de se afastarem cá de baixo. Tornaram-se altivos, frios, distantes e convencidos de que a vossa estatura era o que mais interessava. Mas enganam-se. Todos. O melhor da cidade está aqui em baixo, nas ruas. Porque o melhor da cidade são as pessoas e elas movem-se aqui, a dois passos de mim. Passeiam, correm, zangam-se, convivem, riem, choram, falam, tudo aqui, bem pertinho de mim. Sente-se o calor humano cá em baixo, não lá em cima. E isso sim, é o que verdadeiramente importa. Por um acaso vocês lá nas alturas têm essa visão?
  • Das pessoas? Não, lá de cima elas são... minúsculas. Quase tanto como tu.
  • Lá está! Percebes agora porque é que eu nunca quis crescer como todos vocês?
  • Acho que sim.
  • Como é que eu assistia a todo este espectáculo humano, a toda esta vida que pulsa a cada segundo na cidade, se estivesse lá no alto como vocês?
  • Tens razão. Nunca tinha pensado nisso.

E posto isso, despediu-se, convencido, como todos os outros antes dele. O alto e majestoso prédio, de muitos e muitos andares, regressou à sua posição vertical, compreendendo agora as razões que haviam levado aquele pequeno prédio a recusar-se a crescer. A recusar-se a ser mais um arranha-céus vaidoso e apenas preocupado em tocar o céu, esquecendo que o mais importante, e única razão da sua existência, vive cá em baixo, com os pés bem assentes na terra.

 

FIM

Antes fosse mentira

por migalhas, em 01.04.20

Antes fosse mentira.

Antes fosse um pesadelo vivido tão vividamente que me assustasse de morte ao dele despertar.

Antes fosse uma ficção que lida ou vista se sacudisse da mente e nos permitisse regressar sãos e salvos à normal realidade de há poucos dias atrás.

Antes fosse uma invenção, daquelas fake news que a toda a hora nos assaltam e causam perturbação.

Antes fosse uma brincadeira de mau gosto, um boato lançado apenas com o intuito de acelerar as batidas do coração.

Antes fosse tudo isso e não uma verdade que a cada dia ganha volume, dimensão, arrastando tudo o que se lhe atravessa ao caminho.

ELE tirano que quer, pode e manda abaixo humano atrás de humano, como pequenas peças de um xadrez perdido antes mesmo de ir a jogo.

ELE diminuto, nem visível a olho nu, ser que não dá a cara mas que toquemos nós na nossa e ei-lo feliz pelos danos colossais que daí adiante nos inflige.

ELE gigante nos danos que provoca, nas mortes, na infelicidade, nas vidas de todos e de cada um, indefesos seres perante a sua fúria devastadora, seja aqui seja do outro lado do mundo.

E o mundo? Irá ele sobreviver? Iremos ao menos aprender? Tirar consequências, ler nas entrelinhas a mensagem que desta vez berrou mais alto e nos deixou a todos em sentido. Iremos? 

Quantas mais vezes terá de acontecer? Até tudo morrer? Perecer por fim e dar lugar à natureza? Ela que tantas vezes nos lembra que tudo tem um limite, um fim, a cada vez mais iminente.

Que ela não mente. Mas sente. Sente que sem nós tudo é diferente.

Antes fosse mentira.

Antes fosse.