O que ando a ler
E se de repente alguém, que mais não é que um zé-ninguém, resolvesse registar em diário o seu pacato dia-a-dia? Um tipo comum, tipo eu, que pegava agora num diário e de hoje em diante lá escrevia o pouco ou nada de interessante que preenche os seus dias quase sempre iguais e depois seguia por aí fora, tentando imortalizar esses momentos comuns aos de milhentas outras pessoas, mas estes registados pela escrita. Foi isso que pensou este Charles Pooter
«Não consigo perceber por que razão - lá porque não me calhou ser alguém - o meu diário não seria interessante. Só me arrependo de não o ter começado quando era jovem»
dando assim vida, a partir de finais do século 19, a um relato épico de uma vida pouco ou nada interessante. Assim se pode descrever este livro, no qual Charles Pooter, a meio caminho da vida, decide começar a registar num diário os acontecimentos do seu dia-a-dia. É um homem de ambições modestas, satisfeito com o seu modesto emprego e a sua modesta mulher, menos satisfeito com o seu filho estouvado e os seus amigos impertinentes. No diário, anota as idas ao talho, a dificuldade de consertar o alpendre, o preço da engomadoria, as crises da criada, os devaneios da mulher, as tolices do filho, os serões de convívio com os amigos, a magnanimidade do patrão. Uma vida normal muito digna de nota, já que este zé-ninguém se tornou uma personagem cómica imortal, satirizando a classe média suburbana londrina do século XIX.