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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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EU nos Talentos Ocultos – Vol.1 (contos)

por migalhas, em 06.03.15

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É com este conto original, "Nay e Roby", que EU marco presença nos Talentos Ocultos – Vol.1 (edição relativa ao conto).

 

"Nay e Roby"

 

Nay e Roby passeavam no areal da praia. De onde provinha tanta quantidade de areia? Questionava-se surpreendido o pequeno Roby. Trá-la o mar, dizia-lhe a sua irmã, um pouco mais velha que ele e desse modo a querer demonstrar a sua natural e inevitável supremacia em termos de conhecimento. Corriam, pulavam, dunas acima, dunas abaixo, à beira-mar, mar adentro. O sol a pique mostrava-se mais e mais feroz e eles como carne fresca naquele extenso grelhador de areia composto. Tanto mar, assim como a areia. De onde vem toda esta água? Perguntava o sempre curioso Roby. Vem das chuvas, das nuvens negras que por vezes nos sobrevoam as cabeças, respondia-lhe a esperta da irmã, mais velha, mais sapiente. E o céu acima deles, azul, sem mácula, liso, sem rugas ou qualquer espécie de atropelo que lhes obstruísse uma visão ampla do tecto deste mundo cheio de encantos e de fenómenos tão estranhos. De onde vem tanto céu? E tanto azul? Olha, vem do espaço, que o deixou cair para nós o podermos ver e assim ele, o espaço, se poder esconder do nosso olhar, por detrás deste céu, entendes? E ele que sim, como sempre, que Nay era mais velha e mais sábia que ele. Aliás, ela sabia tudo e a ele só lhe competia aprender com ela e com a sua imensa sabedoria, própria dos irmãos mais velhos. E então novo fenómeno. Novo e inesperado, a abater-se bem sobre aquelas duas mentes, a curiosa e a outra, a que a tudo dava resposta. Um primeiro raide, perfeita a formação, o líder adiante, a mostrar aos restantes, muitos, mais de uma dezena, duas, o caminho. Lindos, ordenados, pretos, todos eles pretos, dezenas de patos bravios que rasgavam o azul do céu e pela primeira vez naquela manhã lhe adicionavam um padrão que se movia, que avançava ondulando, com um propósito, fixo, definido. Uns atrás dos outros, ora em U, ora em V ou mesmo num inquestionável Y, em quantas formas mutáveis, mas sempre ordeiros e a respeitarem a hierarquia de um líder obstinado em avançar, em progredir, sempre lá na frente daquele fiel pelotão. Todos seguiam incansáveis, compenetrados da sua missão, afastando-se a cada bater de asas do olhar deleitado daquele casalinho de tenra idade que entretanto a tudo cedera para simplesmente os observar, naquele espectáculo de rara beleza. Mas eis que ao longe, e um pouco à laia de miragem, aquela linha negra desenhada pelo numeroso bando de patos selvagens em viagem pelo céu, ganhava uma outra forma, assemelhando-se a um imenso picotado, a um tracejado pronto a ser cortado e que assim parecia querer dar acesso a algo existente para lá deste imediato à vista de todos. A algo que se ocultava escondido para lá deste cenário que adorna as nossas vivências mundanas e banais, a que chamamos de céu. De onde vêm tantos pássaros? Indagou o espantado Roby. São patos, tolo, corrigiu-o a irmã. E vêm de longe, de outros países, andam sempre em viagem, em busca de temperaturas que a eles lhes agradam mais. É assim mesmo, é da sua natureza, rematou-lhe ela. E novo esgar de espanto. Que sobre eles uma outra manifestação bem ensaiada, a rumar para longe, coisa da sua natureza, quem sabe na peugada dos que já lhes levavam algum avanço. Perfeito, o desenho. Deslumbrante, o efeito. E já a fugirem à perfeita definição da vista, tal e qual os seus pares anteriores, novo truque da visão, a parecer que eles, a linha que formavam nos ares que cruzavam, era não uma linha contínua mas sim um tracejado, tentador, tanto até para quem o sabia impossível, mas ainda assim... Nay não lhe resistiu. Lançou mãos ao ar, ao espaço de céu preenchido por aquele ilusório picotado, e, servindo-se dele, abriu uma brecha no pano de fundo, naquele papel de cenário, numa extensão breve, o equivalente à linha tracejada que ilusoriamente fora formada, rasgando-o. Um gesto simples, impensado, mas que dera passagem a algo que sempre se ocultara das vistas, pois escondido se encontrava desde sempre para lá deste suposto céu de calma feito. Ao contrário deste, agora rasgado numa ínfima parte, o que se vislumbrava para lá dele era tudo menos azul, era tudo menos brilhante, era tudo menos belo. Antes era negro, avassalador, assustador, e em nada compatível com o que momentos antes reinava numa perfeição e numa paz que se cria real. As suas mãos penetraram aquele espaço desconhecido, aquela fenda insólita, e imediatamente pagaram pela ousadia. Sugadas foram, tal a força, o ímpeto, que nem um adulto lhe resistiria, quanto mais uma criança como Nay. Puxada de surpresa, voou pelo ar e desapareceu por aquela brecha de um tempo e de um espaço desconhecidos, por aquele buraco negro que de imediato se saciou, se fechou, repondo a calma e a ordem e o cenário reinantes momentos antes daquela inoportuna interferência. Roby ficou perplexo. Incapaz de falar o que fosse, apático e estático ficou, qual estátua a observar o insólito da cena, a sua irmã a desaparecer em pleno ar, por entre um buraco por ela exposto, aberto num céu que nada deixava adivinhar, muito menos um desenlace deste calibre. Bem acima da sua cabeça, da sua inocente compreensão, novo mistério do universo, este a deixá-lo órfão de explicação, pelo que reposta a calma inicial, Roby atirou para o ar:

- E agora, mana? Quem me vai explicar o mundo?

Em resposta à sua questão, uma devastadora escuridão abateu-se sobre ele e sobre tudo o que lhe era circundante. Era o fim. Igualmente assim entendido por quantos expressavam o seu agrado, de início timidamente, um, dois aplausos, para num crescendo de entusiasmo a totalidade da assistência se esvair num estrondo contagiante de outros e outros aplausos, numa trovoada de apreço e aprovação vinda de quem até então aguardara expectante no silêncio do imenso auditório esgotado. Acesas as luzes, os focos incidiram o seu calor sobre os dois pequenos actores que, orgulhosos da sua actuação e visivelmente agradecidos, o expressaram vénia após vénia após vénia.

 

FIM


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