atrás de nós
Para onde quer que fosse, ia sempre com ele atrás. Juntos, sempre juntos, colados, ambos iam para todo o lado, um adiante do outro ou o outro na peugada do um, inseparáveis, para onde um fosse, o outro lá estava, seguindo-o religiosamente. Quem os visse diria que eram uma só entidade, frente e verso, quais gémeos siameses cujo destino era viverem em simbiose perfeita, como castigo divino, pesada cruz ou má sorte que lhes calhara em sina, tu cá tu lá, numa promessa inquebrável de eterna fidelidade. Mas que havia mais assim, afinal muitos mais, imensos, que lhe viravam as costas, é certo, mas todos por igual atados àquele seu perseguidor implacável, que a cada pisada os seguia, numa devoção quase doentia. Eu, tu, a tua tia, cada um à sua maneira a senti-lo que nem um passo atrás, logo ali, bastaria um rodar de cabeça e ei-lo, risco ao meio, eloquente, por vezes falador demente, a deixar-nos mal com o seu hálito quente. E o cansaço, de o trazer sempre agregado, sem sequer agradecer o transporte gratuito, pois para onde eu vou ele vai. Eu, tu, ele, nós todos e sabe-se lá quantos mais. Sempre com ele a reboque, que já não há cu para este outro que não nos larga da mão, sempre na traseira, a nossa popa, incansável na sua fúria de nunca querer ficar para trás, mas que remédio ele tem, e nós também.
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