Há muito tempo atrás
Eram dois. As mãos dadas somava-lhes aquela felicidade breve do instante que ali bebiam. Em silêncio. Apenas o morrer das ondas por fundo. Profundo, afinal. Rostos fechados, mas de sorrisos rasgados. Lado a lado, conformados com a sua felicidade breve, coisa de pouca monta, de tolos que sabem que pouco mais os espera que aquela momentânea imagem jamais recriada. Olhos adiante, nas dunas, na areia que não se importa e que lhes sobreviverá, sempre, para sempre. Mesmo após a partida da sua felicidade agora partilhada. A dois, num breve trecho de uma obra que ainda nem se compôs e já se sente acabada. Fugaz, como a vontade. Que na próxima maré alta já não será senão memória, que apagada será deste capítulo em construção. Lábios que se tocam, ao de leve, na brisa que se esfuma, na espuma que se esvai. Que a chuva cai e tudo lava. Que a corrente consigo tudo arrasta. Que tudo tem um preço, que tudo se paga. Olhos que se olham e tentam compreender. Que como amantes se devem entender. Mas cada sujeito é feito dos seus predicados e ninguém conhece ninguém. Nem ninguém se conhece também. E o tempo trata do resto. Dessa tarefa árdua que é fazer esquecer, que é eliminar quaisquer rastos do que um dia pareceu ser tudo e num abrir e fechar de olhos em nada se fez. Que nem preces a um deus desconhecido. Que nem nada nem ninguém. Que não existe fórmula ou segredo capaz desse milagre. Pois que tudo é tão mais complexo e abrangente. Aos nossos olhos, sós, ou de mãos dadas, com quem nos apraz. Um dia, há muito tempo atrás.
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