Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

facebook

tarde demais

por migalhas, em 26.07.13

saí daqui para ir morrer mais adiante

de permeio foi ar respirado

por vezes apressado

sustento de um tempo de parcelas subtraídas a um coração já sem fôlego

vezes sem conta desgastado

trôpego, pateta, a querer-se contente

quando nem um par de horas a contento

que a sua dor maior é saber que existe

mas vai, não vai e desiste

para mais tarde ser tarde demais

pois já te foste, partiste.

 

© Copyright Migalhas (100NEXUS_2012)

O que ando a ler

por migalhas, em 14.07.13

 















O jornalista Jeff Atman está em Veneza para cobrir a abertura da Bienal de Arte. Espera ver muitas obras de arte, ir a muitas festas e beber muitos bellinis. Não espera conhecer a sedutora Laura, que irá mudar completamente a sua curta estadia na cidade.
Outra cidade, outro trabalho: desta vez nas margens do Ganges, em Varanasi. Por entre as multidões, os ghats e o caos da mais sagrada cidade hindu, espera-o um tipo diferente de transformação.
Uma narrativa muito bela sobre amor erótico e desejo espiritual, Jeff em Veneza, Morte em Varanasi é divertido, elegante, sensual, cómico, engenhoso e absolutamente cativante. Consagra Geoff Dyer como um dos mais provocantes e originais escritores britânicos.

Novidades literárias

por migalhas, em 10.07.13

 

Num «palácio» que fica «no meio do nada», atrás de muros altos, com arame farpado e alarmes de última geração, Tochtli vive rodeado de animais. Verdadeiros, nas jaulas no jardim: águias, falcões, um leão, dois tigres. Mas também simbólicos, já que os habitantes do imenso casarão têm nomes de animais em náhuatl, uma das línguas indígenas do México. Tochtli, por exemplo, é «coelho»; Yolcaut, o seu pai, é «serpente». Há ainda uma outra animalidade: a da violência que se exerce sem pejo, para assegurar uma hierarquia, para marcar um território no mundo do crime. Quando alguém se intromete nos negócios, os capangas de Yolcaut matam a sangue-frio. A serpente nunca prescinde do seu veneno.
Dentro da redoma, Tochtli vive em circuito fechado. Terá uns dez anos, não mais. É um rapazinho precoce, de memória «quase fulminante» e raciocínio rápido, que usa palavras difíceis porque todas as noites passa horas a ler o dicionário. Além disso, colecciona chapéus, considera que os franceses são boas pessoas porque inventaram a guilhotina para cortar a cabeça dos reis (tendo o cuidado de lhes tirar a coroa antes, «para não ficar amassada»), sabe de cor filmes de samurais e esforça-se por interiorizar os rígidos códigos da masculinidade latina (o importante é ser «macho», aguentar tudo, porque quem chora ou tem medo é «maricas»). Para suprir a ausência da mãe, que ainda lhe provoca ataques de tristeza e dores de barriga, o pai, com os seus dedos «cheios de anéis de ouro e diamantes», típicos do traficante paranóico que é, satisfaz todos os seus caprichos.
Assim, quando o «coelho» pede à «serpente» um hipopótamo anão da Libéria, pai e filho partem para África, à procura do animal raríssimo. A partir daqui, a novela de Juan Pablo Villalobos – que já nos mostrara o «palácio» como um universo de fantasia, onde as imagens do mundo exterior chegam completamente distorcidas – entra literalmente no domínio da fábula. Com nomes falsos hondurenhos, a «quadrilha» mexicana deambula por Monróvia, divertindo-se a contar os buracos de bala nas paredes de um país saído da guerra civil. O safari improvável termina com a captura de dois espécimes do desejado hipopótamo, um macho a que Tochtli chama Luís XVI e uma fêmea (Maria Antonieta, claro), ambos condenados a um fim não muito diferente dos aristocratas a que foram buscar o nome.
O que torna este livro notável não é a descrição dos meandros sórdidos do narcotráfico, essa espécie de lugar-comum da literatura mexicana recente, mas a forma como essa realidade vai sendo percepcionada e narrada por uma criança que viveu sempre no conforto artificial de uma torre de marfim. É a voz de Tochtli, ainda inocente mas já contaminada por um cinismo que paira no ar que respira, o trunfo maior de Festa no Covil. Desarmante na sua franqueza, ele tanto divaga sobre os conhecimentos enciclopédicos que um professor privado lhe vai incutindo como sobre o facto de um tiro por vezes não ser suficiente para matar alguém («Às vezes precisam de três tiros, ou até de catorze. Tudo depende do sítio para onde disparas»). Ou sobre a diferença entre cadáveres e restos humanos: «Se forem cadáveres, dá para saber que pessoas eram antes de serem cadáveres. Se forem restos humanos já não dá para saber que pessoas eram.»
Novela sobre o México de hoje, Festa no Covil mostra-nos a violência extrema, a corrupção e as engrenagens do crime, sem recorrer ao realismo sujo do costume. Ao contar-nos a história em forma de fábula, a partir do olhar cândido de uma criança que não percebe bem o que se passa à sua volta, o efeito é igualmente brutal mas muito mais eficaz.


[Texto publicado no suplemento Actual, do semanário Expresso]

coisas vivas

por migalhas, em 04.07.13

olham-me estas cadeiras despidas

sussurram as jarras num tom reprovador

que à falta das pessoas fingidas

vingam as coisas, em todo o seu esplendor

 

de indecifráveis intentos

porém de garras afiadas

elas espalham aos sete ventos

rumores e histórias inventadas

 

congeminam entre si a revolução

que põem em marcha sem água vai

é sua a suprema decisão

que pesada sobre mim recai

 

quais coisas desprovidas de vida

quais peças inanimadas

que elas estão sempre de guarida

e por todo o lado instaladas

 

© Copyright Migalhas (100NEXUS_2013)