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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Daqui até ao Natal...

por migalhas, em 23.12.12

Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.
Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.

Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.

Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.

 

Manuel Maria Barbosa du Bocage

Daqui até ao Natal...

por migalhas, em 20.12.12

Natal Chique


Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.
Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.

 

Vitorino Nemésio

Daqui até ao Natal...

por migalhas, em 19.12.12

A Noite de Natal


Em a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois sabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos.
Vão se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes.
Perguntam logo à criada
Quando acorde de manhã
Se Jesus lhes não deu nada.
– Deu-lhes sim, muitos bonitos.
– Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos.

 

Mário de Sá-Carneiro

Daqui até ao Natal...

por migalhas, em 18.12.12

Natal, e não Dezembro


Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

 

David Mourão-Ferreira

Daqui até ao Natal...

por migalhas, em 16.12.12

Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade !
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

 

Fernando Pessoa

reais horrores

por migalhas, em 07.12.12

as ruas metem-me nojo

as ruas nuas, ao abandono

as valetas sem dignidade

o empedrado estagnado

as poças de água fétida

a içarem-se desta obscuridade

por entre becos frios e sem idade

 

aqui se omitem renegados e outros sem trono

a céu aberto, olhos nos olhos

sem um canto onde dormir um sono

sem um tecto a que chamar seu

andrajosos arrastam-se pela lama

que alguém lhes fez a cama

 

e o cheiro, senhores! a putrefacção

a cólica parida de uma suposta refeição

sugada a meias com formosas ratazanas

sob olhares esganados de deformadas damas

num decrépito espectáculo de reais horrores

 

ao que nós chegámos, senhores!

ao que nós chegámos

 

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