um dia fui criança
um dia fui criança, ainda me lembro
o mundo enorme e eu insecto
e eu bombeiro e eu guerreiro e eu sempre a sonhar
era criança e tanto que não sabia e então descobria
cada dia novas metas, novas conquistas
tudo era fome, curiosidade, imediata paixão
um dia fui criança
e nunca me hei-de arrepender
do que foi aprender, de a cada dia mais e mais saber, e eu sem me aperceber a crescer
a perder contacto com aquele insecto de que a certa altura me fui esquecendo
onde ficou ele? perdeu-se e não me acompanhou nesta viagem?
gostava dele, da sua companhia, das suas ideias loucas, das brincadeiras e trapalhadas em que se metia
um louco, esse insecto
tenho saudades dele e pena que não me faça agora companhia
tem dias que bem queria, que bem me apetecia andarmos só os dois, a esquecer as regras e a fazer apenas o que é proibido
eu e ele por aí, a esquecer os crescidos, a sermos dois insectos, a sugarmos tudo de cada dia, a sermos crianças adornadas de uma imensa alegria
que ser criança é nada pedir
é existir e tudo ter de descobrir
é rir, é dar gargalhadas de coisas parvas
é deixar à roda a cabeça dos nossos pais
é esgotarmos energias até não podermos mais
um dia já fui um insecto, pequeno, irrequieto
um miúdo, uma criança, um orgulhoso analfabeto
que posso eu fazer para nunca mais deixar de o ser?
inédito de migalhas (100NEXUS_2011)