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100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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nada avança

por migalhas, em 29.12.10

saídos dos 12 deste 10

e já lá vai uma década

um desfile de 10 vezes 365/366 amontoados de tantas coisas que rolam sempre adiante numa passadeira rolante

e ainda agora imaginava como seria, por via de séries como o “espaço 1999” ou de filmes como “2001, uma odisseia no espaço”

onde tudo parecia tão longínquo

tão improvável, inconcebível, no todo, impossível

qual sonho sequer imaginado

a mente supunha, apenas conjecturava

que tudo eram possibilidades, ilusões de ficção que se previam, anteviam, então

e os olhos postos nesse futuro sem nome ou filiação

agora que se findam os 12 que foram este 10 de 2000

não sei o que fica

se uma sensação amarga de frustração

de impotência face ao tão pouco que ficou de tanto prometido

de quantas possibilidades se anteviam e desejavam e afinal...

como se nada diferente, como se quase tudo como dantes

como se este futuro não fosse mais que o presente de então em reposição

como quase tudo aquilo que não sofre mutação

não avança, não grita em plena multidão

não evolui, qual revolução

como se o mundo de hoje fosse o arrastar pesaroso de quantos nele vivem

numa comoção global que acinzenta os dias

e deles não deixa memória, nada deixa

senão esta amarga sensação de frustração

de que nada na realidade avança

se move ou grita por entre a multidão

(des)conto de Natal

por migalhas, em 22.12.10

Juvenal nasceu no Natal.

Na precisa madrugada em que Jesus o salvador também o fez, tal e qual.

Dizem até que, com ele, uma nova estrela se formou no espaço sideral.

Uma estrela que serviu de guia a três estarolas estouvados que, após assaltarem uma estação de serviço e deixarem em mau estado o funcionário que teve a infeliz ideia de lhes fazer frente, rumaram ao que assumiram ser seu destino.

Mas antes disso, por pouco Juvenal não nascia no curral.

Sua mãe apenas teve tempo de se recolher no decrépito celeiro e entre a palha amontoada e uma cama improvisada, lá se dedicou à empreitada.

E se por um lado a vaca, que com o bafo o confortava, por outro a sua mãe, que com as tetas o alimentava.

Frio não passava e fome, nada o indicava.

Tudo assim se passou, mas seu pai em nada reparou, ocupado que estava ao fundo do corredor, com a mercadoria vinda do seu fornecedor.

Aí, num laboratório mal-amanhado, Maldonado subtraía qualidades ao produto puro que encomendara, ao qual, e em proporção inversa, lucro adicionava, o mesmo de que necessitava, para uma vida mais desafogada.

Quem deixara de gostar de ver o produto a ir e a dívida a subir, foi um outro rei, mago na forma como dominava o mercado daquele pó que fazia sonhar, mesmo não havendo Natal para celebrar.

Cansado de esperar, e já muito perto de se exaltar, o mago Baltazar apelou à boa-fé dos seus três estarolas e mandou-os o seu caloteiro cliente visitar, levando ao seu anunciado filho algumas ofertas de pasmar, como prova de que a sua boa vontade não estava para durar.

Enquanto o ciclo se cumpria, Juvenal progredia, nada mal, pelo que se via.

Aos olhos de sua mãe ele crescia, que dele o pai ainda nem sequer sabia.

O burro zurrava, a vaca observava e entre tantas tetas, Juvenal lá se consolava.

Obstinados em seguir a estrela de que se falava, a que o nascimento de Juvenal anunciava, a bem ou a mal, os três estarolas lá deram com o curral.

Senhor cá de um cheiro, e bastante enlameado, este antecedia o celeiro, ainda em pior estado.

E foi o burro, que visivelmente alterado, desatou a zurrar desenfreado, anunciando as visitas, que haviam chegado.

De surpresa apanhado, no seu cantinho ocupado, Maldonado nem tempo teve, de prever o seu fado.

Pelas costas baleado, sem saber ler nem escrever, nem nunca ele veio a saber, o que raio lhe foi acontecer.

A mãe bem berrou, o burro zurrou, mas o interesse dos três era o miúdo, que naquela hora com eles voou.

Ali ela ficou, prostrada entre a vaca e o burro, que o outro, o seu marido, por estupidez quinou.

Foi-se o produto, foi-se o puto, foi-se tudo e ela de luto.

Quanto a Juvenal, cresceu forte, fez-se marginal, tudo por obra e graça de Baltazar, o maioral.

E por que a memória tem destas coisas, foi numa ceia de Natal que Juvenal se recordou de Maldonado, ali estendido, ensanguentado, e tomado de um instinto quase animal, se atirou a Baltazar para enfim o destronar.

Dos três estarolas nem um sobrou, tal a forma como lhes chegou, mas deles a custo ainda arrancou, uma certa morada aonde regressou.

Embora rijo e a quase tudo habituado, receoso era o seu estado ali chegado, pois o que iria encontrar, era coisa que nem podia imaginar.

Sua mãe nem o reconheceu e, com medo do que fosse, com a canos serrados o recebeu e quase o abateu.

Foi por pouco que a tragédia não se consumou, que a sua mãe não o eliminou, e tudo por culpa do burro, que zurrou, zurrou e a ela o denunciou.

-       Filho meu, filho meu! Tanto tempo depois que foi que te aconteceu?

-       Tornei-me homem, minha mãe, e o meu destino encontrei. E agora que aqui te sei, não conto regressar sem comigo te levar.

-       Eu sabia que um dia, antes ainda de morrer, esta alegria eu teria, de te voltar a ver.

-       E agora ter-te aqui, em carne e em osso, faz-me lembrar o que nunca esqueci, o que só me aumenta o remorso.

-       Por isso, e antes que se faça mais tarde, é justo que saibas a verdade, agora que tens idade: Que o teu pai não era o Maldonado, mas aquele burro malvado.

-       Eu sei que pequei e por isso vou pagar, mas antes que penses em regressar, será que não queres ao menos comigo jantar?

Era ceia de Natal e por isso nada lhes podia cair mal. Nem mesmo os bifes rijos que nem cornos que um dia vigorosos haviam trepado à sua mãe para lhe dar a possibilidade de ser alguém.

Comeram em silêncio, numa singela homenagem, para depois, ainda atordoado, Justino seguir viagem.

Fora demais a revelação, tanta coisa num só serão, não fosse ser Natal e aquela ceia teria tido outra conclusão.

Ainda se tentou a presenteá-la, pois era noite de festa, pensou até numa bala, bem no meio daquela testa.

Mas de que serviria, agora que a burrice estava feita, mudar nada iria e maior seria a desfeita.

À mãe nunca perdoou, tê-lo deixado assim tão amargurado, mas a verdade é que nunca mais zurrou, qual jumento amaldiçoado.

entrados no 12

por migalhas, em 07.12.10

entrámos no 12 numa viela de outros tantos

é a última porta logo adiante

um tremor de gente que se amontoa desejosa de a atravessar

esperançada que para lá dela tudo se transfigure

tudo mude e num ápice do pesadelo ao sonho lindo

 

entrámos no 12 numa viela de outros tantos

assustados, tementes ao que não entendem, quem não é deus

antes crentes, hoje gente apenas demente

 

entrámos no 12 numa viela de outros tantos

sabendo que adiante tudo será como antes

que ali não mora mais que a demora

a eterna espera em ver acontecer

que este mundo sucumbe a cada segundo

doente, febril, moribundo

sem cura que lhe valha

ou remédio que lhe atenue a dor

 

entrámos no 12 numa viela de outros tantos

e no fim deste outro virá

qual reposição de um filme tão velho como a mais antiga das profissões

ontem, hoje, como amanhã

que o tempo passa mas nada grassa

senão a desgraça

essa maleita sem graça

do bem e do mal

por migalhas, em 03.12.10

 

Escrito em 2005, mas só agora alvo de auto-publicação na Bubok, este é um livro que retrata duas visões distintas de um mesmo acontecimento trágico. Avô e neto relatam-nos aquilo a que assistiram naquela fatídica tarde e é através dos seus olhos que regressamos ao dia em que tudo mudou na vida daquela família. E por que todo o acto gera consequências, também aqui ficamos a saber quais as que desde então pesaram sobre cada um deles, resultado de tudo aquilo por que passaram.

A partir de agora disponível em formato papel e em pdf no sítio: http://www.bubok.pt/libros/2633/do-bem-e-do-mal. Espero que gostem. Pela parte que me toca, e como sempre, foi um prazer, só ultrapassado pelo facto de poder partilhá-lo agora convosco.

 

 

 

do bem e do mal, 20Dez

por migalhas, em 02.12.10

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O dia estava magnífico. Nunca me hei-de esquecer do calor que fazia, coisa rara de acontecer por aquelas paragens naquela época do ano. O silêncio havia tomado conta da tarde, apenas quebrado, de quando em quando, pelo diálogo que os inúmeros pássaros mantinham entre si. Lembro-me de adormecer e de ter sido despertado por um súbito arrepio, que cheguei a associar ao fim da tarde e consequente arrefecimento que o acompanhava. Mas este arrepio tinha algo de diferente.

Um trágico e inesperado acidente, uma profunda machadada no coração daquela família, uma perda irreparável.

O que os seus olhos viram naquele fatídico dia, os do avô e os do neto, e as consequências que desde então sobre eles pesaram.