por migalhas, em 21.11.10
De que me serve uma gota de esperança vã
sabendo eu que um dia tudo perece
o mesmo dia que para muitos será de alegria
sol a pique, no relógio meio-dia.
Não adianta pois fingir, andar por aí a sorrir
que esse sorrir é malvado
é cinismo colado à cara de quem julga que assim será abençoado
na ilusão que é certamente
e no fim não se revê assim.
por migalhas, em 09.11.10
há pó no ar
folhas que deixaram a mãe árvore e dançam agora à desgarrada
há tanto mar daqui até onde a vista pode alcançar
pensamentos que afloram
raízes que se aprofundam
a pique, num bater ritmado, compassado
um coração aqui, outro ali
corações por todo o lado
na frágil paisagem onde repousa este olhar adocicado
apaixonado pelo que vê, ouve, mas já não sente
na aragem que corre com a gente
nas ruas despidas de fogo
sem réstia de paixão ardente
pelo chão, como lixo ou despojos sem uso
querelas antigas por sarar
desprezadas, leva-as o vento
num tormento que não as há-de abandonar
profundo cinzento
retrato lamacento
do que um dia foi viçoso, frondoso
hoje apenas pálida figura
despida de fogo, de compostura
ilusão que aqui habita
amargura que a vida dita
nudez de fogo
dele ausente, eternamente carente
por migalhas, em 05.11.10
há um fantasma de mim
sei-o, criei-o
um penar que deambula
perdido, sem sentido
indolente, sem mente
segue-me a sua sombra fiel
trago amargo, sabor a fel
no dobrar de cada esquina
em cada dia que se anuncia
ele e eu a par
dueto já sem corda que apenas se deixa arrastar
de onde vens, para onde vou?
Sou eu teu dono
ou não sou nada, nem teu senhor sou?
nem pó levanta
no modo esquivo como se afigura
és monstro, remorso ou travessura?
Ou apenas imaginário de mim que nem imagino?
Tal a incerteza com que sei que te criei
no fecho de contas de dias a fio
uns sem tino, outros no arame
é ele, é assim
este fantasma de mim
por migalhas, em 02.11.10
a folha em branco
vasto e inexplorável território
imaculado, sem pecado
apenas ali, indefeso, impotente face à angustiante espera
num corredor da vida que se prepara para ganhar
no derrame de tinta negra de quem não lhe quer mal
mas que sem piedade o vai violar
chegada essa hora em que não é tido, achado, sequer avisado
para apenas ser preenchido por um mundo em latente efervescência
que a escrita não é nenhuma ciência
antes tanto que há para contar
na forma de um manto de vastidão por conquistar
qual mar, qual terra, qual fogo ou ar
diamante em bruto apenas à espera de se materializar
nessa folha em branco
pela mão de quem diz o que diz
do modo como o escreve