antes assim que acordado
Decerto não seria assim que usualmente via as coisas, analisava as situações, para depois tomar as decisões, fossem as mais acertadas ou, ainda sem o saber, as menos apropriadas. Olhei em redor e tudo me parecia maior. Eu era mínimo, disso eu tinha a certeza. Ao pé de mim, um habitante de Lilliput era um gigante de proporções astronómicas. Eu era tão pequeno que haveria ainda de ser descoberta a lente capaz de me observar. Eu era assim, naquele instante em que vi as coisas de um outro ângulo, de um modo que nunca antes havia experimentado. E como eu mais ninguém. A solo, único ser minúsculo e sem aparente importância à face daquele prato de esparguete à Bolonhesa. Quem me haveria de contar, e decerto então não iria acreditar, que no dia de hoje, logo no dia de hoje, iria acabar rodeado de molho de tomate a meias com carne picada que, mais tarde vim a saber, antes era soja granulada. As dores de parto não paravam, nem sequer abrandavam, e eu mortinho por nascer, por sair daquele invólucro vegetariano para me fazer à vida e, quem sabe, refrescar-me num qualquer lago ou simplesmente saciar-me com uma imperial fresquinha acabada de tirar. Fechei os olhos. Cerrei-os mesmo, com toda a força que me era então possível e gritei. Pela face correram-me lágrimas apressadas em, também elas, se fazerem à sua vida, cumprindo com a sua missão de expressarem aquele meu momentâneo sentir. De tudo um pouco me ocorria, num cocktail de felicidade a que juntara tristeza e êxtase em doses q.b., uma pitada de desilusão e ¾ de uma colher de sopa de esperança em que tudo isto terminasse afinal como nunca deveria sequer ter começado: como um sonho. Estava calor, disso me recordo. A cama fazia uma cova no preciso sítio onde me acolhera nas últimas horas. Os lençóis empapados e eu de ar desgrenhado, frente a frente comigo mesmo naquele espelho barato de casa de banho, comprado às presas no IKEA. Olhei a janela, o que lá fora se respirava, e logo se me entranhou aquele odor agoniante a McDonald’s. Antes a Bolonhesa, que a Marselhesa eu já conheço desta revolução que me apanhou sem aviso e me deixou neste estado, desgraçado. Ainda me tentei a regressar à cama, mas para quê? Ali já nada me esperava. Ela partira e nem uma nota, um mísero bilhete a avisar-me de que fora à sua vida, na qual não mais me incluía. Chorei, como um puto do liceu que leva uma carga de porrada de uns quantos gandins e no processo fica sem a mochila, os ténis de marca e o relógio que o pai lhe oferecera no último aniversário. Também ali perdera tudo. O Verão, toda e qualquer estação, as modas e as viagens feitas em modo excursão. Não mais me ouviriam cantar “A Portuguesa”, isso não. Olhei a sanita, tampa aberta, águas calmas aguardando a mija da manhã e em vez desta todo eu me lancei de um trago na sua profundidade. Fui pelo cano, pode dizer-se. Mas nem deixei mensagem, ou uma singela nota a referi-lo. Fui e nada mais.