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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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nas nuvens

por migalhas, em 02.11.09

Eu moro numa nuvem

Lá em cima, acima do ar esgotado, numa nuvem fofa e branca como a neve acabada de cair

Eu e tu e tantos como eu e tu, que lá de cima olhamos os outros cá em baixo, os que vivem abaixo do ar esgotado, em desassossego, numa vida corrida onde perdem o fôlego e perdem tudo

Lá em cima tudo é mais fácil, suspensos nos pensamentos de quem levita e assim leva a vida, tão diferente daquela vivida por todos aqueles que escolheram lá em baixo morar, abaixo do ar esgotado

São fardos pesados, escuros, carregados, seja de turbulentas águas, seja do que for que faz mal à alma

Lá em cima, nas nuvens, em cada qual, vivemos a vida no respeito pela vida de cada um como nós, igual,  ali conscientes da decisão de ser, mais alto, mais longe, mais sensato

Num quartel que é general de tantas tropas que se perfilam pela honra de serem soldados de uma paz que teima em reinar num estado de guerra que habita lá em baixo, nas profundezas da serpente em que nos tornámos

E nós no topo de um mundo que dizem moribundo, mas que ainda não se apercebeu de que assim, mais e mais perto de um céu que nem limite nem coisa alguma que lhe augure melhor sorte

Uma nuvem não refreia o passo, sempre estugado no seu obcecado percurso por seguir ventos e marés que nem um tenente obediente, deambulando sem se saber à nora, sem rumo ou hora que lhe dite o destino

Ele é circo itinerante, figura de segunda linha que no momento da verdade se esconde e manda fazer, aos outros, carne para canhão

Eu moro lá em cima, numa nuvem fofa e branca como a neve virgem que se suicida num salto do alto de um reino que deixa sem saudade

E como ela também eu embarco em cada viagem, mesmo que breve, a sugar cada milímetro do percurso que nos separa da partida à chegada, quantas vezes sem saber à partida o que nos espera à chegada

Eu não envio postais, não

Nem um, dos locais por onde passo, que são passos apenas meus, que percorro na fúria de me encontrar num canto de um qualquer continente, numa qualquer montanha mágica onde me refugie e de onde não mais regresse, para nela me fundir e à sua natureza me entregar, nela me emparedar para sempre, seu filho, o pródigo que voltou sem mágoa, apenas com fome e frio e cansado do que nunca achou longe dessa natureza que me pariu, apostada em ver-me seu salvador e afinal um logro, que apenas ousou regressar de mãos a abanar e nos seus braços se entregar, inocente, apenas com o fim de nela se refugiar, acagaçado, mijado de um medo que nunca assumiu e por isso lhe mentiu, desde a primeira hora até esta, em que cobarde nem nos olhos a enfrenta, na sua mente apenas tormenta e mentira que são água benta

Mas mãe é mãe, e mesmo sabendo-se atraiçoada ela perdoa

Mesmo débil e exausta e sem quem a defenda, de tudo ou de todos, ela olha-me, ela sim, nos olhos, e perdoa-me, ela a mim, eu que a matei, vendia-a sem peias ao primeiro que me ofereceu meio vintém pela sua já fraca figura e nem pensei, assim a entreguei

Eu que a morte lhe encomendei e como humano reles em que me tornei nem o seu velório presenciei

Sou um falso, sim, sou um desses que se fazem passar pelo que não são nem nunca hão-de saber ser

E eu a julgar que lá em cima, nas nuvens, a vida me perdoaria a ousadia, em forma de cobardia, de um dia lhe ter segredado que eu a salvação lhe conseguia, apenas e só a troco da sua boa-fé em mim, mentiroso compulsivo que qual desordeiro sem honra a todos mente e engana, afinal a troco de uma outra coisa tão escassa como uma refeição e uma cama, na qual se deita a julgar que o que sonha é o que vive, quando não vive nem um terço do que sonha, reles figura, grande cabrão

Assim perfeito é o destino, que como uma garra das entranhas me agarra e estraçalha e faz das tripas expostas figuras de um ser morto em que tornei numa putrefacção que nem um cadáver com semanas, a vir de dentro para fora ou de fora como o gume que se sente na estocada, primeiro como uma picada breve que logo perfura a pele e a carne que se lhe segue numa dor que me cega e então faz ver que nada na vida se lhe compara, a farpa, crescente na lancinante mas saborosa dor de me saber moribundo, sem fundo nem sorte a que me agarrar, a afogar num precipício de tantas almas penadas que nem as sei, e assim eu, em dia de finados o ano todo de uma ponta à da faca afiada que me tocou e me  fez saber então que antes morto sentido que nada em vida que me agasalhe