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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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não é segredo

por migalhas, em 24.08.09

 

não é segredo
de ninguém, para ninguém
que o mundo gira, nesta hora ou mais além
que o ciclo se perfaz e dá a volta
num ritmo intrépido que não se detém
por nada, nem por ninguém

não é segredo
de ninguém, para ninguém
que esta escada não tem rumo que se lhe adivinhe
ou um fim que se lhe aviste
tantos os degraus que nem mil e uma vidas
nas mil e uma coisas que me impediste

não é segredo
de ninguém, para ninguém
que os trapos que me cobrem
te cobrem a ti também
e que se o mundo me é escasso e tanto me impossibilita
é apenas e só porque vivo esta febre
este estado a que sucumbo a cada segundo
na ânsia e desejo de querer sempre mais
do que aquilo que me
é permitido
e a ti também
quando o segredo é viver o presente
o meu, o nosso

incondicionalmente
independentemente

 

Grão de ilusão

por migalhas, em 18.08.09

Poderá o vazio ser preenchido?

Este espaço de tempo furtivo?

Quem sou neste espaço em que não sou senão o ar que respiro, a poeira que levanto, minúsculo ser cósmico sem peso, senão o da gravidade de ser breve?

Olho em redor e mil acontecimentos.

Talvez mais, mas todos aleatórios e, dessa forma, ilusórios também.

Quais eu vivo, a quais assisto, na certeza de uma imensa maioria de que nem me apercebo ou dou conta, nesse espaço de tempo em que vivo, em que assumo que alguns vivo.

 

Não tenho como lidar, com que desafiar, armas para lutar de igual com toda a efemeridade que é o tempo, que compõe o tempo, que o perfaz aos nossos olhos agastados, fixos na incerteza do que está para além, no que há-de ainda vir a ser.

Este tempo que é espaço que ocupa, espaço de tempo que é parcela de um obstáculo que lhe é superior, que nem céu nem terra, antes todo o universo em conjugação.

Que a verdade é essa e inquestionável, que aquilo que nos rodeia é uma total ausência do que for, de coisa nenhuma, uma inexistência em que embarcamos sem noção de que o fazemos e vamos, a apreciar o seu deslumbrante engano, trapaça bem urdida, jornada que nos leva iludidos, nos molda a seu mando, como mito que é, ficção que se impõe, coisa apenas da imaginação, como o mais profundo abismo que é o mar em que nos afogamos e tudo o que também ele nos esconde, de nós esconde, pois nunca o quisemos desvendar.

 

Eu, grão de ilusão, menor, insignificante quando olho em redor e vejo a enorme grandeza de tanta beleza, de tanta coisa a que não atesto certeza, mas sei que já ontem reinava, como hoje reina e amanhã continuará para lá de mim, de nós, no tempo a perdurar, muito para lá do dia em que daqui, deste espaço de tempo em que não fui senão o ar que respirei, a poeira que levantei, me ausentar e já noutra forma, quiçá num outro igualmente belo lugar me encontrar, para então, e por fim, com a vida me reencontrar, sabendo-a nesse momento mais, muito mais que um nada que não se perfaz, muito mais que o ar que se respira ou a poeira que se levanta.

ser o que foste um dia

por migalhas, em 15.08.09

aquela ribeira já não corre

árida num leito apenas de fome

sulcada pelo peso do tempo

pelo fervor quente do vento

despojada de rumo ou missão

extinta na derradeira estação

 

agora deixa apenas a impressão

o caminho que lhe serviu de guia

a marcar a terra então fria

sem outra coisa que a aparente razão

 

foi e não voltes

vai e não voltou

cada centímetro cúbico que desfolhou

fossem apenas gotas ou enxurradas diluvianas

 

eu quero-me como um dia foste

viril na força das águas que arrastaste

obstinada num desaguar que foi teu fado

nesse rio, nesse mar, nesse líquido estado

falsetes

por migalhas, em 14.08.09

o frémito com que se anuncia

na temerosa penumbra da noite esquecida

da vida

que lhe é coisa omissa

na sua forma e conteúdo


fosse o mundo redondo e não ostentaria 4 cantos

nas pontas soltas de quantas viagens mortas à partida

improváveis sonhos em falsetes arrastados, desgastados

ideias quiméricas de que se vai a algum lado


numa rotação que nos cobre de chagas

nos sulca mais e mais fundo de vias em extinção

a que nada nem ninguém ousa deitar mão

ela ali e as suas irmãs

por migalhas, em 13.08.09

aquela árvore sossega-me

e as suas irmãs

no seu balançar involuntário de quem segue as marés do vento

na dança que perfaz ao ritmo que sopra o tempo

na paz com que contagia o meu olhar cansado e lhe dá afago

 

ela ali

e as suas irmãs

fixa num bailado que não a leva a nenhum lado

qual estranho fado

seu e de suas irmãs

que a meus olhos é fonte de inspiração à liberdade que não goza

à felicidade que não revela

à escrita que é poesia, nunca prosa

 

aquela árvore ali

e as suas irmãs

num todo harmonioso

belo e frondoso

que me encanta e arrasta pela sua seiva

que sorvo na ânsia de me purgar

deste grilhão me libertar

e desse estado indolente

antes vontade ardente

não mais

eternamente

ínfimos obstáculos

por migalhas, em 12.08.09

anda pelo ar
move-se sinuosa por entre os espaços e insinua-se a despropósito no meu olhar
queima-me a vista e faz-me parar
poeira invisível que preguiçosa se desloca ou faz deslocar
à boleia do vento, até da brisa que sopra do mar
e incomoda, impudente no seu propósito
explicitamente a homologar essa sua forma de estar
tarefa de nos chatear, do ritmo nos abrandar
por culpa da visão que nos tolda ao passar
no seu passo doble traiçoeiro
de quem se move libertinamente
sem freio ou receio do que lhe calhe em sorte
a mesma que nos falha quando se atreve
e a vista nos cega
às cegas
perniciosa invalidez que num instante nos obsta o discernimento
impensável por coisa tão mínima, como a poeira
que nos anula o presente e dele nos desvia
até novo dia
regressada alvorada
que nos restitua o ver
e com ele entender
que são grãos de poeira, ínfimas parcelas sem eira nem beira
quem nos trava o passo, retarda a vida
qual colosso Adamastor
que nos injecta o pavor
de apenas supor
que viver é este torpor
sem nada mais para oferecer
que ansiedade, sofrimento e dor

Focado no tempo

por migalhas, em 09.08.09

O tempo prega-nos partidas, distrai-nos, bate e foge, não nos permite focar a atenção num só ponto, pois ele mesmo são muitos, todos os outros pontos mais atraentes, que nos dissipam qualquer outra concentração, que não nele.

Por isso só me resta fugir para ele, rumo a esse tempo que me distrai e me transporta para outras paragens, a anos-luz daqui, deste canto abafado mas não pelo tempo, antes por memórias que deveriam ser proibidas, de tão enfadonhas e tristes.

O tempo não.

Esse é alegre, simpático, convidativo, amigo do seu amigo.

E eu quero-me seu amigo, ainda a tempo de ele me brindar com um pouco da sua atenção e com ela me permitir ausentar deste canto sombrio e cinzento onde o que passa não é tempo, mas parcelas já mortas de memórias que antes deveriam ser proibidas, de tão enfadonhas e tristes.