não é segredo de ninguém, para ninguém que o mundo gira, nesta hora ou mais além que o ciclo se perfaz e dá a volta num ritmo intrépido que não se detém por nada, nem por ninguém
não é segredo de ninguém, para ninguém que esta escada não tem rumo que se lhe adivinhe ou um fim que se lhe aviste tantos os degraus que nem mil e uma vidas nas mil e uma coisas que me impediste
não é segredo de ninguém, para ninguém que os trapos que me cobrem te cobrem a ti também e que se o mundo me é escasso e tanto me impossibilita é apenas e só porque vivo esta febre este estado a que sucumbo a cada segundo na ânsia e desejo de querer sempre mais do que aquilo que me é permitido e a ti também quando o segredo é viver o presente o meu, o nosso
Quem sou neste espaço em que não sou senão o ar que respiro, a poeira que levanto, minúsculo ser cósmico sem peso, senão o da gravidade de ser breve?
Olho em redor e mil acontecimentos.
Talvez mais, mas todos aleatórios e, dessa forma, ilusórios também.
Quais eu vivo, a quais assisto, na certeza de uma imensa maioria de que nem me apercebo ou dou conta, nesse espaço de tempo em que vivo, em que assumo que alguns vivo.
Não tenho como lidar, com que desafiar, armas para lutar de igual com toda a efemeridade que é o tempo, que compõe o tempo, que o perfaz aos nossos olhos agastados, fixos na incerteza do que está para além, no que há-de ainda vir a ser.
Este tempo que é espaço que ocupa, espaço de tempo que é parcela de um obstáculo que lhe é superior, que nem céu nem terra, antes todo o universo em conjugação.
Que a verdade é essa e inquestionável, que aquilo que nos rodeia é uma total ausência do que for, de coisa nenhuma, uma inexistência em que embarcamos sem noção de que o fazemos e vamos, a apreciar o seu deslumbrante engano, trapaça bem urdida, jornada que nos leva iludidos, nos molda a seu mando, como mito que é, ficção que se impõe, coisa apenas da imaginação, como o mais profundo abismo que é o mar em que nos afogamos e tudo o que também ele nos esconde, de nós esconde, pois nunca o quisemos desvendar.
Eu, grão de ilusão, menor, insignificante quando olho em redor e vejo a enorme grandeza de tanta beleza, de tanta coisa a que não atesto certeza, mas sei que já ontem reinava, como hoje reina e amanhã continuará para lá de mim, de nós, no tempo a perdurar, muito para lá do dia em que daqui, deste espaço de tempo em que não fui senão o ar que respirei, a poeira que levantei, me ausentar e já noutra forma, quiçá num outro igualmente belo lugar me encontrar, para então, e por fim, com a vida me reencontrar, sabendo-a nesse momento mais, muito mais que um nada que não se perfaz, muito mais que o ar que se respira ou a poeira que se levanta.
anda pelo ar
move-se sinuosa por entre os espaços e insinua-se a despropósito no meu olhar
queima-me a vista e faz-me parar
poeira invisível que preguiçosa se desloca ou faz deslocar
à boleia do vento, até da brisa que sopra do mar
e incomoda, impudente no seu propósito
explicitamente a homologar essa sua forma de estar
tarefa de nos chatear, do ritmo nos abrandar
por culpa da visão que nos tolda ao passar
no seu passo doble traiçoeiro
de quem se move libertinamente
sem freio ou receio do que lhe calhe em sorte
a mesma que nos falha quando se atreve
e a vista nos cega
às cegas
perniciosa invalidez que num instante nos obsta o discernimento
impensável por coisa tão mínima, como a poeira
que nos anula o presente e dele nos desvia
até novo dia
regressada alvorada
que nos restitua o ver
e com ele entender
que são grãos de poeira, ínfimas parcelas sem eira nem beira
quem nos trava o passo, retarda a vida
qual colosso Adamastor
que nos injecta o pavor
de apenas supor
que viver é este torpor
sem nada mais para oferecer
que ansiedade, sofrimento e dor
O tempo prega-nos partidas, distrai-nos, bate e foge, não nos permite focar a atenção num só ponto, pois ele mesmo são muitos, todos os outros pontos mais atraentes, que nos dissipam qualquer outra concentração, que não nele.
Por isso só me resta fugir para ele, rumo a esse tempo que me distrai e me transporta para outras paragens, a anos-luz daqui, deste canto abafado mas não pelo tempo, antes por memórias que deveriam ser proibidas, de tão enfadonhas e tristes.
O tempo não.
Esse é alegre, simpático, convidativo, amigo do seu amigo.
E eu quero-me seu amigo, ainda a tempo de ele me brindar com um pouco da sua atenção e com ela me permitir ausentar deste canto sombrio e cinzento onde o que passa não é tempo, mas parcelas já mortas de memórias que antes deveriam ser proibidas, de tão enfadonhas e tristes.