Alheio
Que paredes nos separam, a cada um?
Que barreiras se interpõem e nos escondem?
Que fronteira se demarca, nos demarca?
Arame farpado que nos alerta para a invasão, quase sempre de propriedade alheia
na privacidade onde se espelha o nosso íntimo, onde somos o que não ousamos fora dessas quatro paredes que nos ocultam ao mundo
aos olhares curiosos de quem se quer intrometer, sabendo o que faço, digo, ouso, no recanto do meu espaço fechado, ao mundo fechado
Como pode um simples muro delimitar-me a actuação?
Condicionar-me um estado que nesse instante é o genuíno?
Entre portas, uma porta, quantas vezes
ou quantas me permitam o ser e estar alheio ao redor comum de quantos olhares curiosos e perscrutadores de algo mais
um biombo
uma simples linha desenhada no chão de terra, no chão de areia, no chão de cascalho
a perfazer um círculo perfeito
(vácuo alheio ao exterior, imune às infecções que daí se propagam, letais vírus, estirpes fatais
onde me incluo e daí passo a existir, morto ao mundo
esse mesmo onde
(por entre janelas cerradas, por entre cortinas ao de leve desviadas
se espiam as vidas que de alheias nada
antes modelos deturpados, enganosos, pois fictícios na sua génese
genuína apenas entre muros, entre portas, nunca aos olhos de quantos apenas vêem o que desejam, o que anseiam
para seu gáudio, para seu alimento