Rodopiam vivas no tremor desta mão, a lançar charme neste estado que é paixão.
Ateiam fogos, apelam ao coração, são arma mortífera que despedaça a ilusão.
No encanto do que são, movem mundos, governam nações, são a extensão do homem que se quer eternizar, num legado enorme que só ele sonha deixar.
São feridas abertas que não saram não, qual amor louco que não encontra troco, na traição que o espezinha a pouco e pouco.
Não existe o que se lhes compare
coisa rara que do nada se ergue
na força do que é mais bravo
na fúria do que é mais poderoso
impensável na sua candura
inquietante a serenidade
cada uma é pão e é água e é sol
poente, nascente
é a alma de toda a gente.
que feito maior que a descoberta do que somos, de que somos se ontem as mãos, hoje os pés amanhã a tomada de consciência de quem somos para uma vida inteira a tentar saber porque o somos e o que nos permite tal
nada se lhe compara na tamanha importância, na imensa revelação que é concluir a essência da nossa essência deste animal que é racional e por isso tão mais estrutural e como se estrutura e porquê
sabermo-nos, descodificarmo-nos, entendermos a razão daquilo que somos feitos seja matéria ou coisa etérea, qual alma ou consciência ganha a forma de uma vitória de batalhas sucessivas que por entre danos colaterais terá sempre o propósito último de ganhar essa guerra avassaladora a mesma que um dia iremos usar como bandeira que nos conduza mais além a outras descobertas então exteriores ao nosso ser, alheias ao nosso código genético que nos valide enquanto perscrutadores do mundo que nos rodeia e tanto aflige por pura ignorância de quem não entende a ordem natural das coisas
e então sim, autorizados moralmente a seguir adiante rumo ao capítulo seguinte e ao seguinte e por aí adiante até senhores do todo global
do que somos, de que somos, por que o somos, do que nos permite que assim sejamos na esperança de um dia merecermos a veleidade, hoje arrogante, de querermos descortinar o que nos está adiante, qual nirvana que no seu propósito profundo nos coloque em sintonia com tudo aquilo que nos rodeia e que tanto receamos, ainda receamos, por pura ignorância de quem não entende a ordem natural das coisas
Que buscam as palavras por mim? Que falam elas que não é da minha boca? Que geram as palavras que são minhas mas que não saem da minha boca? Encantados seres que buscam o que apenas me atrevo a pensar?
Assim sou palavras, por todo
a minha essência, núcleo do meu ser, epicentro da minha vontade.
Elas, e só elas, que querem, podem e em mim mandam, no meu querer. Seu escravo sou, a minha carne são, o meu cerne.
Elas, e só elas, ousam falar o que eu apenas imagino
e cada discurso sou eu feito nelas
(mas sem me saírem da boca para fora
involuntárias no meu desejo de me concretizar nelas
(...) Toda a vida é achar-se dentro da «circunstância» ou mundo. Porque este é o sentido originário da ideia (mundo). Mundo é o repertório das nossas possibilidades vitais. Não é, pois, algo à parte e alheio à nossa vida, mas que é a sua autêntica periferia. Representa o que podemos ser; portanto, a nossa potencialidade vital. Esta tem de se concretizar para se realizar, ou, dito de outra maneira, chegamos a ser só uma parte mínima do que poderíamos ser. Daí que nos parece o mundo uma coisa tão enorme, e nós, dentro dele, uma coisa tão pequena. O mundo ou a nossa vida possível é sempre mais que o nosso destino ou vida efectiva.
não há uma intenção apenas ao correr da pena o deixar andar a ver no que dá alguma coisa há-de surgir, algo acontecer sempre assim foi, porquê dramatizar se tudo parasse e se mantivesse assim, estático, por tempo indefinido, algo se ergueria do nada, da inércia, a crescer sem freios num ritmo novo, num ritmo alheado de quantos espartilhos e a primeira alvorada num mundo renovado, há tanto necessitado de se purgar numa sensualidade que sobre si atrai olhares igualmente despidos, como vieram ao mundo, este novo olhares postos num recomeço que porá tudo a zeros e daí nova génese
a querer-se parado e morto no tempo, apenas e só o progresso aberrante essa obra desfigurada como desfigurado foi o homem que a criou e nesse processo se suicidou, perdendo o norte e com ele a humanidade que lhe era distinção na família animal
Não pare tudo, não pare agora, e a humanidade canibalizada será pela sua gémea perdida, subjugada aos pés dessa lenda que um dia foi sustento de um mundo levado à exaustão e então moribundo, até se ver renascido de uma pausa sem intenção apenas ao correr da pena a deixar andar a ver no que dá
Que olhar posso eu ter, se olho em redor e não me revejo no que vi? Se cada dia é passado, se cada acto estafado? Um olhar de quem não vê, nada vê, mas dá a entender que sim. O patético que pactua com a ordem reinante. Que falha à verdade em nome de uma grosseira irmandade. Isso é o que salta à vista. Isso de fugir à integridade em nome da fácil aceitação da sociedade. A troco de quê? Que tudo tem um preço, nem que seja o de viver azoado.
que martírio maior que saber que no seu dia ela lá e eu aqui fechado, trancado, o coração destroçado de a saber logo ali e eu aqui sem nada que o justifique, apenas a obrigação estúpida de marcar presença fantasma, que ninguém me vê, sequer me ouve e ela lá, a aguardar que eu lhe surja de rompante, cumprindo uma promessa que na sua cabeça se perfez então, quando incapaz de a confrontar com a impossibilidade lhe vi nos olhos cintilantes a esperança que para si era tudo e eu doente, o coração dormente, a sofrer de partido, sabendo que não poderia dar-lhe algo tão simples como a minha presença estúpida vida esta, que nos martiriza assim, no dia que é dela e da irmã e eu aqui, à distância da estupidez feita obrigação hoje (visto que todos os dias seria impossível) deveria reinar o bom senso, quem sabe uma lei que permitisse a singela liberdade de usufruir dos nossos filhos, da sua companhia, da de cada criança e com eles permitirmo-nos a sê-lo também, uma outra vez, recordando quando o fomos e o que entretanto esquecemos desde então reinasse em certos corações o sentir profundo e honesto pelo que é uma criança e tudo aquilo que ela nos suscita e estariam todos proibidos de permanecer longe de cada uma que fosse por um instante que fosse, que estes são tão escassos, sempre fugidios e tão imensamente valiosos
Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso. A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue. O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que, frequentemente, é usado como argumento para a negação da bondade divina. Não, não há salvação para quem faça sofrer uma criança, que isto se grave indelevelmente nos vossos espíritos. O simples facto de consentirmos que milhões e milhões de crianças padeçam fome, e reguem com as suas lágrimas a terra onde terão ainda de lutar um dia pela justiça e pela liberdade, prova bem que não somos filhos de Deus.