eu a dobrar
eu queria ser eu, mas vezes dois
poder fazer o que dois como eu poderiam fazer com o tempo de cada qual
eu queria poder fazer tudo o que aos dois assalta e estimula cada ramificação de ambos os cérebros numa ebulição constante que não se cansa e por isso se recusa a dormir
que dormir é tempo perdido
e perder tempo é ver definhar aquele que ainda me resta
eu quero ser duas vezes ou ser só eu mas com o dobro do tempo para me realizar
poder acompanhar quem me é mais e poder ser eu também e mais além
sem a nada me privar, poder de tudo desfrutar
não ter de prescindir para poder seguir
tudo conseguir e poder alcançar
para isso dois, eu e outro como eu, num tempo que se multiplica
para mim, para meu gáudio
hoje vezes dois, amanhã vezes a soma de quanto pretendo ainda criar
sem nunca me vergar ao peso de me ver naufragar
em tanto que poderia e desse apenas quota-parte
a mais ínfima parte de um todo improvável
a fazer-me crer que poderia ter sido tão mais
poderia ter sido tudo e alcançado o que homem algum sonhou sequer tentar
fosse eu dois ou tivesse o tempo de dois como eu
fosse eu a dobrar