Há uma hora atrás puro irrealismo
e há duas e há três
dissimulada certeza, uma enorme suposição na hipótese apenas avançada
de prognóstico reservado, aposta num fundo que nem perdido
tudo investido, a totalidade de mim e do mundo que me circunda, nesta incógnita forçada
sem nenhuma garantia, nem uma, que me garanta o segundo seguinte, quanto mais a hora!
Uma só hora, mas há uma hora atrás nem esboçada, toda ela estranha
olho em frente e mesmo tão perto, a abeirar-me, não lhe vislumbro um ínfimo detalhe, a mínima silhueta que me permita identificá-la de entre as que já vi(vi)
tudo omite e esconde num silêncio até de imagens
que nada adianta, a hora que se segue
nem mesmo o contador de todas, as que foram e as que serão
aquele empilhador de todas elas, que nos persegue com o seu somatório e com elas nos espicaça a seguir atrás da que vem a logo a seguir
(essa primeiro, depois as seguintes)
nem mesmo esse lhes adivinha os intentos
Somos todos sua prole, submissos seguidores de quanto nos reserve
(seja feita a sua vontade!)
sem alternativa, na impotência do que ditará no momento seguinte
eterno desconhecido, em infinitos mistérios sem pistas, há uma hora atrás
mesmo a nós, seus filhos
principalmente a nós, seus filhos
agora e na hora proibida
que antes a sorte
na que se segue a morte
Se dissesse que nesta gaveta repousam quantos restos mortais do que escrevi
Sob um manto de pó pesado que lhes serve de cruz
Sob uma extrema-unção às portas do seu estado moribundo
De quantas letras finadas e de quantas palavras caladas
Diria que digo a verdade
Nua e crua, toda ela maldade
Que as palavras não morrem, nunca morrem
Nem as minhas nem as outras que falam pelo mundo
Se dissesse que ali as enterrei sem terra alguma
Apenas um pó pesado a pesar-lhes e a lembrar-lhes que se finaram
Usaria palavras minhas, mas também as outras que falam pelo mundo
Para chamar um padre, dois, toda a congregação religiosa desta terra ou de terra alguma
Um manto de clero e pela sua mão a santa inquisição
A mesma que tantas palavras antes destas matou em nome do seu mandatário
Um senhor, este apenas um, a dar nome aos actos de quantos se vingam nas palavras que ali depositei e vi morrer, às suas mãos, santa ignorância
Se dissesse que ninguém foi culpado, senão eu
Mentiria
Como minto quando digo se dissesse, pois nunca o disse
E por isso a vê-las definhar, a vegetar e na sua clemência à eutanásia apelar
Mato-as eu? Ou espero que apareça alguém para as matar?
Se dissesse que as enterrei
Nesta gaveta ou num qualquer livro que para sempre se quedará fechado
Encarcerando palavras, a arrastarem-se pesadas
Vítimas, interrogadas, maltratadas para se confessarem caladas
Mentiria ou diria a verdade?
Que eu lá sei, desta morte escrita com todas as letras
Dar é ganhar
Partilhar é uma soberba de felicidade
Momento mais alto de uma evolução que alguém entendeu há dois séculos
E depois partilhou
(ideias, teorias, fundamentos)
E o mundo escutou, atento, mas porque mudança, céptico
E quantos olhos se abriram, quantas mentes
Um homem a despoletar tamanha razão
Até então sob um manto oculto de ignorância, desconhecimento
E ele a atentar e a provar com argumentos que somos hoje a evolução do que fomos ontem
Depois de tantos outros séculos, sob um manto oculto de ignorância, desconhecimento Dare to win
Ele ousou, qual vencedor, e deu à humanidade o que ela nunca questionou
Dar é ganhar e todos ganhámos, com a sua peculiar visão, atenta e pronta a confrontar velhas teorias
E também ele ganhou, a nossa admiração, respeito, a vontade que nos incutiu de ver como só ele um dia viu e atentou no que à sua volta, do mesmo modo à nossa Give to win
Darwin deu, tudo de si por esta luz que só ele viu acender
Darwin constatou, apenas isso, como se o criador original omitisse as suas razões, processos, causas, que dos efeitos tratou a evolução que só ele viu e explicou
Dois séculos após parido é também seu o mérito pelo acto de ter feito nascer esta lei
Uma evolução sem travão, que para o bem ou para o mal nos há-de conduzir aonde nem ele um dia predestinou, sequer imaginou
Eu guardo tudo
Pequenos papéis, notas, rascunhos
Até os que parecem ter sido esboçados para esta minha vida em esboço
Um enorme peso, pesado em demasia, e nele esta alma vazia
Uma cisterna abrupta como a vil cova de uma onça que me espreita o momento
Dentes arreganhados, garras afiadas
E nem todos os pequenos papéis ou notas ou rascunhos
Pequenos papéis, notas e rascunhos catalogados
Que guardo trancados neste peito macerado
Reunidos neste armazém de congelados, quedando-se rígidos, como ele, rígido
A bombear sem cessar, a distribuir-me vida por quantos quadrantes
Malvado!
Este peso continuado
Sufocante pesar aqui cravado, neste estéril terreno arado
Vida que esvai-se ainda em vida
Pressupondo uma morte que pressupõe uma vida
Vida qualquer, desde que parida
De um enorme peso, pesado em demasia
A sentireste chão que piso a ausentar-se, a perder-me e eu a ele
Já nem caminho ou atalho
Que nada nem ninguém me atrai, nem eu atraio ninguém
Amarras por todo o lado, as mesmas que me sustêm
Me impedem a evasão a este enorme peso
Pesado em demasia e ainda assim a levitar
E eu sob ele a pairar
Enorme peso, pesado em demasiaE eu a deixar de pesar
Ninguém liga, sequer se incomoda em querer saber
Ninguém dá importância ou reconhece valor
Ninguém atribui qualquer mérito pelo trabalho, pelo empenho e dedicação que se denota em cada construção, na forma como cada letra se sustenta na sua irmã
E a muralha ganha forma, em forma de linhas sobrepostas
Ergue-se um obstáculo quando o desejo era o oposto
(o de permitir sonhar, como não aqui
o de permitir viajar, como nunca aqui
o de permitir viver, como jamais aqui)
E a oportunidade gorada, não a minha que a perfiz
Mas a de quantos não viram mais além
Não se aventuraram adiante
Esbarrando em objecções infundadas, em visões turvas, enviesadas, em pretensões sem nexo que lhes são as maiores prisões
A viverem a sua ignorância, nela orgulhosos dela
Opostos ao que a história lhes sustenta
Que mais não entra nas suas mentes fechadas, a tudo bloqueadas, apenas leais à censura que assumem lei e lhes será destino
E depois a ignorância, a conclusão de sempre
Aquela que não engana, não mente, nunca mente, jamais mente
Aqui
Num poço de palavras me lancei
Nem olhei, sequer pensei, apenas me lancei
Nas suas turvas nuances, esperançado sem significado
Apenas na salvação
Que uma bóia, elas
A levarem-me à tona desta incerteza
Fria como as águas do degelo
E nem receio de tão fundo, pois de palavras
Nele encontraria sempre a resposta a servir-me a mão
Numa ajuda sincera como são as palavras
E por isso nem pensei e nelas me atirei, a elas me entreguei
Mesmo sabendo que também as há
Doentias, acutilantes, sufocantes palavras
Que se alojam, nos sugam, se alastram e nos pesam a levar ao fundo
Quais cães raivosos, sedentos de nessa fúria se saciarem
Que não é culpa sua, antes da sua natureza
A mesma que habita aquelas águas de palavras encharcadas
Em vida, em morte, em dolorosas chicotadas
Naquele poço profundo onde a salvação procurei
E tudo o que achei foi mágoa onde me afoguei
Naquele poço onde sufocado morri