Quantas vezes contei o sol e quantas vezes ele se riu de mim?
Que a seu cobro me fiz noite onde me escondi, me esqueci e na ausência de luar que me alumiasse, tudo omiti.
E menti, nesse limbo onde me perdi.
Cercado pela sebe de arame farpado onde jazem os restos dos desencantados.
Nem uma quota parte de mim, nem água benta, nem sacrilégio, nada invejo.
O mundo olhou-me num olhar fundo e estendeu-me a sua dor.
Eu que o imaginei empedernido, sem sentido.
Ele e o sol, a rirem-se de mim.
O que é o mundo enquanto eu sou? Enquanto me visto dos meus pertences e neles me banho. Que corre a essas horas nos minutos em que se move o mundo paralelo? Que peso têm os meus passos, lado a lado com os passos de todo o outro mundo? O mundo que é movido a papel, os papéis que cada um interpreta, numa encenação que muda a cada virar de hora. O teatro da dor. De um lado a tristeza, do oposto a felicidade, patente em actos que se sucedem e à realidade sucumbem, já nem satisfeitos. O resto do mundo é a soma dos demais, de uns e dos outros que me condicionam, se eu permitir. Repreendo-me por repreender, sabendo que o faço para me dar a entender, assíduo em fazer prevalecer a ordem que sobre o caos se deita e não o deixa amanhecer. E depois a revolta, a faca que se crava inquieta e revolve o espaço da ferida aberta. Essa ferida não sara, para sempre exposta, chaga a sangue frio, nem pisado, nem coalhado. Mesmo em dias de perfeição, daqueles em que o exemplo se olha no céu, servem-me de agasalho estes actos continuados, trasladados a cada novo dia em que me são mutilados, ao mundo expostos e por ele avaliados. Quero-me de fora da roda, à margem dos papéis que sinto obrigação de interpretar para aos olhos do mundo este me aceitar. Quero-me eu, singular, reflexo exacto que não se permite falsear, esta dança impune dançar e ao deitar descansado adormecer, sabendo que nada devo ao mundo senão o que lhe dou sincero, por ser único, por ser verdadeiro.