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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Num segundo

por migalhas, em 31.03.08
Num segundo tudo muda, muda tudo num segundo.
O mesmo segundo que nem se percepciona, nem se sente, aquele que passa um e logo outro após outro e nós por ele, a ignorá-lo, a desprezá-lo, a desperdiçá-lo.
E é sob o peso dessa humilhação sentida por ser breve e incapaz de ganhar respeito, que se vinga em nós, de nós, mudando o que pode, transformando na ordem inversa do que ele é, pouco ou pequeno.
Porque um segundo tudo muda.
E muda a norte e muda a sul, muda o segundo e tudo se perfaz diferente, no segundo seguinte.
Afinal um segundo não é só ele, breve como se mostra, a supor-se inofensivo.
Um segundo é poderoso.
Junto com outro e mais outro, furioso, faz toda a diferença, ele acrescenta, da mesma forma subtrai, tudo, tudo ele faz, no espaço e no tempo do que ele é, um fugaz segundo.

Dias que desconheço

por migalhas, em 24.03.08
Hoje nem sei que dia é. Sei que acordei e dei comigo desperto para mais um dia. Mas desse dia nada sei, nem que dia é, nem que me espera ou aquilo com que me pretende brindar. São impessoais, os dias, todos. Cada um, cada novo dia, parido do dia que o antecedeu, enverga uma frieza que é a sua frieza e com a qual nos contagia. Uma frieza que fica à espera, à nossa espera, que nos aguarda indicações para que o gelo se quebre e o dia ganhe alguma coisa nossa, com que nos possamos identificar, porque, de resto, os dias são amorfos, são-nos membros esquartejados, parcelas omitidas, são-nos o que desconhecemos, sem qualquer relação senão a que herdamos da manhã, da tarde, da noite e de novo ciclo que acaba neste dia e se ergue ao nascer do próximo.
E mais um dia, um dia que desconheço, um dia que nem sei qual é, o que me irá mostrar, trazer até mim. Pois que todos são impessoais, espaços de tempo iguais em que me introduzo, me imiscuo, e nos quais me revelo e me descubro. É o que sei dos dias, apenas isto. Deste que hoje visto, daqueles que amanhã me serão a carne, me serão a pele, me serão cada respirar, num conjunto de passos que colecciono, eu, coleccionador de dias que desconheço.

Tempo ausente

por migalhas, em 13.03.08

Futuro algum se faz presente, pois logo que se perfaz é passado.

Espaço algum se faz nosso, pois que nunca estamos em nenhum lado.
Vivemos em rotação, vivemos nos limites que nunca se perfazem agora, pois sempre que o futuro se concretiza, concretiza-se já passado.
O presente é ausente, uma espécie de hoje incoerente, pois não se sente, não se saboreia, passa por nós em correria e por isso nunca se queda a nosso lado.
Não concebo o tempo presente, aquele algo que apenas se pressente, invisível que se intromete entre o que há-de ser, o que se sonha apenas probabilidade e o que se formulou, ganhou forma, feito ficou.
Mas mal fica feito...
Passado, aquilo que ainda agora era ambição, pretensão, futuro a curto prazo.
Águas passadas, mesmo que ainda revoltas a viverem a efervescência breve que as viu nascer e depressa desaparecer, passado.
O ciclo de vida, de qualquer vida, não contempla o tempo presente, pois que ausente, em fuga permanente, rumo à história que escreve em linhas ainda húmidas de uma tinta fluente e obstinada em seguir o leito do tempo que nunca se queda ou sequer abranda, por mim, por nós, por quem seja.
Isso era pedir ao tempo que fosse complacente.
E se no passado nunca o foi, no futuro que logo será passado também, nunca o será.
Futuro algum se faz presente, pois mal se perfaz já é passado.
Algo logrado, o que nos foi fado, predestinado, que nos foge por entre os dedos como o destino, o tempo que nunca se queda ou sequer abranda, a vida sem tino, esta eterna demanda.

 

À margem

por migalhas, em 10.03.08
Enquanto em canto encanto.
Quando me centro é no desencanto, no que me foge dos limites onde me coloco e me sinto, onde me encanto, a cada canto.
Nos extremos, nas fronteiras, nos limites que percorro mas nunca cruzo, pois não lhes sei as consequências e deles temo o encontro forçado com o desencanto que apenas conheço no centro da roda-viva, na exposição forçada do que não sou, tímido, fachada, a querer-me de volta a qualquer canto, de volta ao que aí sou, encanto.

Amor sem razão

por migalhas, em 06.03.08
O amor entre estranhos é amor estranho.
É amar sem se fazer entender, é querer-se dar a quem não se permite receber e dar também em troca, pois que o amor, amar, é dar e em troca receber.
É ser estranho no seu próprio corpo, ser intruso que nos usa como hóspede que o abriga da sensação que não conhece, ou faz por evitar.
Este amor que sempre o foi, mas não agora, entre estranhos.
É querer tocar o coração de quem no seu lugar tem a pedra rija e fria da razão, a razão com que se move sem sentir.
O amor entre estranhos é amor estranho.
É cão sem dono, vadio que a ninguém reconhece autoridade.
É estranhar aquilo que nunca o foi, só por que há quem não lhe reconheça a forma, o conteúdo, a razão de ser.
Assim se mata o amor, assim ele morre, se não alimentado, se continuamente desprezado por aqueles estranhos para quem o amor nunca o foi, nem coisa sensível, nem nada que lhes justifique um pedaço de tempo com ele a seu lado.
Assim são estranhos, estranhos para sempre serão, pois não se amam, não se lhes conhece emoção, apenas e só a mais gélida razão.