Aparecia ali, noites sem conta.
Dava por si, no momento em que o frio da água lhe cumprimentava os pés nus.
Era noite, mas instantes antes caminhava pela areia branca e fina como farinha, sob um abrasador e altivo sol que era elemento único a destoar no céu apenas de azul pintado.
A praia era sempre a mesma. O encadeado de acções também. Apenas desconhecia como e porquê ali se encontrava a cada novo dia.
Obviamente entusiasmado pelo radioso dia e pela extensão de areia branca e fina a perder de vista, caminhava decidido, confiante, praia fora ao encontro de um mar que retocava feliz aquele quadro que ali se compunha para si.
Andava, nem sabia quanto andava, sorria, sabia que sorria, a felicidade estampada no seu rosto a cada novo passo, e o mar que demorava a alcançar.
Subitamente, vinda de lado algum, de origem que desconhecia, uma neblina pesada, um denso nevoeiro, tudo arrebatava, tudo fazia sumir, tudo engolia à sua passagem.
Parava, então parava. Não voluntariamente, mas quase em resposta imediata ao temor que subia de tom a cada segundo que voava breve.
Um frio indescritível toldava-lhe qualquer veleidade em prosseguir. E era então que se sentia realmente, naquele momento em que o frio da água que tanto procurara, agora lhe cumprimentava os pés nus.
Pouco vislumbrava naquele cenário cinzento e pesado, mas o pouco que via dava para entender que a maré subira sem aviso prévio. Chegara-se a si e jogava agora a sua vida para o tabuleiro das possibilidades.
E só quando a noite sucedia ao manto espesso, com a mesma rapidez com que este surgira, é que se apercebia da sua real e aflitiva situação.
Como ali fora parar, não sabia contar. Como tudo se precipitara rumo àquele desenlace, igualmente. Sabia apenas que habitava o único pedaço de areia branca e fina ainda não totalmente consumido pela fria, mas curiosamente límpida, água, e que por todos os lados esta se instalara, provocante, profunda, a mostrar por que era força da natureza.
Então, liberto das correntes de ilusão que o haviam mantido a saborear o quanto impotente se mostrava, correu veloz, nadou, gritou gritos, uns mudos outros não, e viveu-se impotente de facto, numa realidade de que não despertava, por mais que quisesse. E queria por demais.
Tentou recuar por onde julgava ter-se aventurado, então feliz, então despreocupado, mas nem por aí. Por lado algum se adivinhava a solução, a saída daquele cenário que era tudo e mais confusão.
Já nem a pequena ilha lhe servia de consolo, de mão amiga que lhe garantisse guarida. Dos joelhos à cintura, pelo peito, pescoço à vista, a previsão do sufoco, do ar a esvair-se, fugidio. O pânico a chegar-se, a ganhar força e a pesar para baixo, a debater-se e a sagrar-se vencedor. E sem nada a fazer.
Apenas assistir e ver morrer, olhos bem abertos, expostos ao maior terror, sem nada poder fazer para evitar, pela sobrevivência poder lutar. Nada. Apenas desfalecer, no instante em que depôs as armas, impotente, sabendo que deu o que tinha e ainda assim não foi suficiente. Pulmões violados, já nada pela frente senão a morte, para lá de eminente, estado já presente. Esgota-se o ar, as forças, a réstia de vida que o mantinha. E sereno, por fim sereno, liberta-se das amarras e deixa-se ir ao sabor de quem o quer tanto levar.