Agora é que é. Mais um dia e pouco e o velho 2005 passa à história. E que histórias ele tem para contar. Tantos acontecimentos nele tiveram lugar, uns bons, outros nem por isso, mas que lhe preencheram as páginas de cada dia. Agora vem aí o seu sucessor, um tal de 2006. Que nos trará ele? Novidades? Coisas diferentes? Belas prendas ou a repetição estafada do que ficou para trás? Existe sempre uma réstia de esperança de que as coisas mudem. Se não de uma só vez que isso também era prejudicial e desaconselhado ao menos que aos bochechos, aos pouquinhos, mas que mude. Que se vejam progressos, avanços de que todos possamos beneficiar. Fala-se tanto e, no entanto, faz-se tão pouco. Bom era que se agisse, mas que se o fizesse em prol das necessidades das pessoas, que são elas quem faz mover o mundo. Por cá, pelo nosso pequeno país, que a economia disparasse e o nosso iluminado governo aprendesse com o seu vizinho espanhol, de modo a diminuir e não a aumentar os impostos, com o objectivo inteligente de atrair e não repelir os investimentos, de que estamos tão carenciados. Que o nosso poder de compra ganhe neste novo ano o impulso de que também tanto carece. Que o desemprego pare de crescer. Que as pessoas sejam mais activas e menos expectantes. Que haja alguma motivação capaz de pôr a generalidade da população a pensar positivo. Em resumo, o que eu queria mesmo era que os espanhóis nos anexassem e nos tornassem numa província sua. Assim certamente veríamos crescimento real e passaríamos a fazer parte integrante de um grande país, um dos grandes da Europa e do mundo, respeitado e ouvido por todos. O tempo dirá, se não tenho razão em formular este desejo para os anos vindouros. O resto que sempre se deseja nesta altura, como saúde, dinheiro e felicidade, seriam uma consequência muito mais óbvia, previsível e imediata, caso esta realidade se formalizasse de facto. Um excelente 2006 para quantos me visitam neste blog e, principalmente, para todos os que me são mais queridos. Prometidos ficam, desde já, novos encontros neste mesmo espaço, mas então já sob a tutela desse tal 2006. Que, se não puder ser outra coisa, ao menos seja simpático para todos os que habitam neste planeta.
Bom era que em certos períodos da nossa vida nos fosse permitido ausentar. Desaparecer, nem que fosse por um instante efémero, como tudo o resto. Cortar a ligação que nos prende ao mundo visível como um cordão umbilical e durante algum tempo abstrairmo-nos do que somos e, por conseguinte, do que nos rodeia e enlaça como uma teia. Vaguear pelo limbo apenas das recordações boas, das memórias doces e por lá ficar até ao limite do possível. Ser implica estar. Estar implica agir. É-nos pedido que sendo, ajamos. Que marquemos presença, definindo território. Mas quantas vezes não queremos ser, estar, agir ou mesmo sentir. Apenas preenchidos por uma vontade férrea em partir, sem a preocupação premente de logo pensar em regressar. Dominados por uma força que não controlamos e nos obriga a desfrutar do momento em que somos relegados para fora do círculo de todos os dias. Numa viagem por um espaço e tempo indefinidos, que não se sentem mas, sequiosos, sugam-nos mente, corpo e alma, deixando-nos vazios e por norma leves, como uma folha caduca que baila ao sabor da brisa que passa a ser nosso único alento. Podia ser apenas e só um momento. Que embora breve fosse apaziguador e nos fizesse regressar à terra de pazes feitas com quem somos ou nos exigem que sejamos. Bastaria que o mundo parasse de rodar, de girar sobre o seu eixo e tudo se imobilizasse em resposta aos nossos desejos. E que, retomado o seu ritmo, nos encontrasse então já renascidos para a vida que nos segue e exige presença constante a cada segundo que passa. Recauchutar a vida, é o que se pede. Para que ela se prolongue sem ser um fardo, mas sempre um prazer. Para que os dias não se arrastem, antes se anseiem novas alvoradas. Para que a estada seja um longo passeio pelo parque e nunca uma corrida furiosa e sofrida. Parar é preciso. Moderar a avidez com que se deseja tudo a todo o momento. Não somos de ferro, mas mesmo que o fôssemos arriscaríamos a enferrujar um dia. Desde que nos acendemos que o mais certo é um dia apagarmo-nos. Não nascemos com interruptor, mas devemos calcular pausas e cumpri-las. Porque é necessário, porque é essencial. Às vezes largar amarras, libertarmo-nos, é quase uma exigência. Como o é o respirar, o alimentar, o amar. Não fosse a existência um equilíbrio, que só não é perfeito porque assim não o equacionamos.
Quando me estava a dirigir para casa da sogra, ontem pelas 19h, resolvi arejar um pouco e apanhei um atalho só de terra batida e que se tem de atravessar um pequeno rio (que no Verão até costuma estar seco). Assim, saí do alcatrão com a Range Rover, galguei uns 3 Kms de terra batida com poças (noite escura, 60/70Kms/h, na horizontal) quando cheguei ao rio. Foi aí que reparei que o caudal estava um pouco grande (e nesse momento, para minha sorte, deixou de chover torrencialmente) e (pior) acobardei-me para o atravessar. Foi o meu erro. Travei a Range na paralela do rio (sem entrar nele) e logo reparei que a cauda da bicha (a traseira da Range) começou a deslizar em direcção ao rio. Ao sair da cabine, o primeiro pé ficou logo dentro de água (noite escura, sem lua, e eu vestido para o aniversário da sogra). Mais um passo e escorreguei, ficando sentado com o rabo dentro do dito rio. OK: 3 Kms a pé, de volta para o asfalto, mais 3 Kms a pé até à aldeia para ir buscar a Azeitona (alembras-te? Daquele Serie 3 de 1977? Que por acaso, está sem os travões... só o travão de mão é que a imobiliza) tudo a ajudar!!!! Carregar a bicha com tábuas e macacos e etc. e lá parti com roupa seca para a Range, mas... esqueci-me das galochas em casa. OK: atei a Range (vulgus: Besta Verde) à Azeitona e fiquei a preceber porque é que os tipos do Camel Trophy levam sempre uns Series 3 prás expedições... só pra desatolar os outros. Mas neste caso, não consegui. Consegui sim foi deixar de ter a traseira da Range virada pró rio e passei a ter a frente... Perdido por 1, perdido por 100000, foi do que eu me alembrei. Por isso, saltei prá Besta Verde e carreguei no pedal da direita e atravessei o rio escuro (com a terra escura, céu escuro, noite escura, tudo escuro)... e lá dei por mim a levar a Range por caminhos de tractores agrícolas e esta bichinha de 2 Ton e só de tracção atrás. Lá foi até que a estacionei num terreno agrícola para ir agora a pé buscar a azeitona. Atravessei o rio com a sua água escura fria e rápida de sapatos de ténis e H2O pelos joelhos. A Azeitona fez a sua travessia e estacionei atrás da Range. Um azar nunca vem só (ou será estupidez humana?) e lá tive que estar a atar a Azeitona (outra vez) à Range para retirar esta do meio dum terreno bem mole do meio da terra lavrada e ensopada. Bem, vamos resumir: A Azeitona foi deixada ao abandono no meio desse caminho de tractores. Se por acaso alguém tivesse que seguir por aqueles lados, ou tinha um bom tractor ou tinha de esperar que eu lá a fosse buscar. Quanto à besta verde, foi em 3ª a fundo até ao alcatrão e lá chegou a casa. Tomei um banho, roupa seca e fui ao jantar de aniversário da sogra. Para casa fui deixado na berma do alcatrão, com galochas (agora sim) e um guarda-chuva na mão e lá percorri uns bons 5 Kms para ir catar a Azeitona (sim: agora estava do lado de cá do rio). Acabou tudo em bem... bem... eu acho que não. Necessito de: um Hi-Lift, um guincho, duas pranchas e umas rodinhas mais apropriadas... isto prá Range Rover, pois prá Azeitona ela não necessita de nada. Aquilo é que é um carro!!!
Abraços
(nota: podes enviar este E-Mail a quem não conhecermos, pois eu não o considero como um descritivo duma casmurrice - ou será burrice??? - mas sim o despertar dum novo EU... cheio de lama).
Enquanto o bom do Manel e do Jaquim cumprem pena por tentarem ascender a uma vidinha um pouco mais de acordo com aquilo que consideram justo (ver artigo anterior), os portugueses já levantaram nas caixas multibanco, nos primeiros 20 dias deste mês, mais de 1,3 mil milhões de euros. Ah, pois! É a crise que toca a todos. Que o digam o Manel e o Jaquim. E como se tal não bastasse para dar uma clara imagem da crise profunda que atravessamos, ficamos também a saber que os pagamentos feitos nas lojas - na compra de meras lembranças, que o dinheiro não dá para mais -, ascende já ao valor insignificante de 2,8 mil milhões de euros, segundo números da SIBS. Que horror! País de gente pobre, este. Nem no Natal abrem os cordões à bolsa. Mas aposto que vão desapertar o cinto. Mais que não seja depois dos excessos que sempre se cometem nesta época. Excessos na alimentação! Ou o que é que estavam para aí a pensar? Que tenham todos um Natal remediado e debaixo de telha. Se não puder ser melhor, que ao menos seja como o do Manel e do Jaquim, que já não é nada mau.
(Continuação) Bem dito, bem feito. Logo na primeira noite tentaram a sua sorte, não sem antes aquecerem as válvulas com uns quantos goles de aguardente barata, pois que as fantasias haviam saído mais caro do que imaginavam. O frio intenso assim o exigia e se a coisa não corresse como esperavam, sempre podiam aguentar as condições climatéricas um pouco melhor. Dividiram-se, e enquanto um trepava ao rés-do-chão de um prédio da Mouzinho da Silveira, o outro, mais afoito, subia ao primeiro andar de um apartamento na zona chique da Lapa. E se por um lado a aguardente se revela eficaz no combate ao frio, por outro resulta de forma indesejada face à lucidez ou mesmo à presença de espírito. Subir a que altura for já de si não é tarefa fácil, quanto mais sob o efeito nefasto do álcool. Algo que os dois depressa puderam constatar. Ninguém lhes havia dito que aquilo iria ser uma pêra doce. Embora contassem comer algumas, a meias com uns sonhos e umas rabanadas molhadas em açúcar derretido, após a missão possível a que se propunham. Também a má forma física não os ajudava. Aliás, nada parecia querer contribuir para o Natal que tinham imaginado. Não foi por isso de estranhar que ambos fossem apanhados em pleno acto de intrusão ilegal em espaço privado, pelas forças da autoridade vigente. Alertados pelos vizinhos dos apartamentos contíguos àqueles a que apontavam baterias também eles alertados pelo excesso de barulho em forma de um vernáculo irrepreensível , os agentes da lei comunicavam às respectivas centrais a captura de dois Pais Natais alpinista que, à boleia dos seus congéneres de plástico, tentavam penetrar em lares alheios e momentaneamente vazios de conteúdo humano. Ou a coisa se revertia de uma coincidência quase impossível de conceber, ou aquilo era trabalho combinado de uma dupla de malfeitores cuja categoria muito deixava a desejar. Já nos calabouços da judiciária, horas mas tarde, ambos concluíram que, afinal, as contas até nem lhes tinham saído assim tão trocadas como isso. Afinal sempre iriam ter comida quente, cama e um tecto, na noite de Natal. E se o juiz fosse justo para com a coragem e originalidade dos seus actos, então talvez pudessem contar com o prolongamento desta situação que, mais não era, que uma resposta às suas preces mais recentes. Em resumo, nada disto fora em vão. Antes pelo contrário. Este era de longe o melhor dos natais que experimentavam em alguns anos. Como que a provar que, afinal, vale sempre a pena. Mesmo que esta seja pesada! FIM
O Manel e o Jaquim todos os anos por esta altura faziam um forcing extra para tentarem angariar uns trocos, igualmente extra, que lhes permitisse um Natal um pouco mais folgado. Entenda-se por folgado, uma ceia de Natal com algo mais do que uns hambúrgueres do McDonalds por companhia e um tecto onde se abrigarem do frio. Desde que a crise aguda se instalou nas vidas de todos, os dois têm igualmente protagonizado uma longa travessia do deserto (em sentido figurado, claro), o que se tem traduzido em momentos ainda mais difíceis do que aqueles a que, por norma, já estavam habituados. Nem o curso superior de magistratura do Manel nem a pós-graduação em artes gráficas do Jaquim, lhes tinha servido de salvação face ao rigor económico que se fazia sentir um pouco por todo o lado. Todos os anos aproveitavam o mês de Janeiro para fazerem o seu rápido balanço do ano anterior e logo se arrependiam de o fazer. Invariavelmente, eram acometidos de loucas tonturas que num ápice lhes subiam à cabeça, fruto de estômagos desprovidos dos ingredientes necessários ao bem-estar e vida saudável de qualquer ser humano. Cansados de não conseguirem atingir um nível de vida compatível com as suas habilitações, os dois buscavam no sótão das ideias algo que lhes servisse de tábua de salvação, face à adversidade dos elementos. E para tal, nada melhor do que observar o que se passa à nossa volta. De estar atento aos pormenores do dia-a-dia que, por norma, escapam às formiguinhas atarefadas que, abstraídas no seu pequeno mundo, levam uma vida de stresse que lhe tolda visão e sentidos em doses semelhantes. E foi precisamente em resultado dessa acuidade visual, que lhes surgiu a IDEIA a que logo atribuíram perninhas para andar, que é como quem diz, francas possibilidades de sucesso. Fartos da fria calçada lisboeta que tão bem conheciam ou dos viadutos e pontes que lhes serviam de tecto, os dois ambicionavam o que a maioria das pessoas possui, mesmo que sujeito a altas taxas de juro ou a spreads quase proibitivos: uma casa. E uma casa iriam ter. Ou várias. Dependia apenas do sucesso daquilo a que se aventuravam e que contemplava a sua versão pessoal do número até agora exclusivo dos Pais Natais de plástico. Ou será que ainda não repararam na febre de bonecos de plástico de encher (à venda ao preço da uva mijona nas lojas dos chineses) que decoram as fachadas dos prédios nesta época natalícia, simulando o Pai Natal a trepar às janelas, chaminés e afins? Ora como é ainda ninguém se havia lembrado de tentar uma ofensiva a algumas casas, a coberto dessa epidemia que grassa em barda por esta altura? E ainda bem, pensaram o Manel e o Jaquim. Traçado o plano, em linhas muito gerais, os dois trataram de adquirir umas fantasias de Pai Natal com os trocos feitos a estacionar automóveis no centro da cidade. Devidamente mascarados, só tiveram de escolher uns alvos acessíveis de preferência rés-do-chão e primeiros andares a que só tinham de aceder como fazem os bonecos que agora se propunham substituir. (Continua)
(Continuação) Especado a olhar, depressa foi convidado a juntar-se-lhe naquela que, veio a saber mais tarde, se tratava de uma comemoração de Natal muito especial. O que se passou daquele momento em diante, e até altas horas do dia seguinte, foi tão só o usufruto de uma prenda como nunca tivera outra assim. A verdade é que, mesmo sem ter escrito carta nenhuma ao velhote das barbas brancas, este o havia brindado com um Natal inesquecível. E porquê? Porque o tal do velhote o colocara à prova, sem ele sequer ter dado conta, testando até que ponto iria a sua humanidade. Para tal, enviara à terra natal de Tom um emissário da sua inteira confiança, que se apresentara ao nosso amigo com ar de mendigo desesperado cuja vida dependia da entrega de uma mensagem a um amigo distante. A verdade é que o prestável rapaz, tocado pela história, inventada, é certo, mas de fazer chorar as pedras da calçada, logo se comprometeu a resolver o problema do mendigo, propondo-se a fazer a longa viagem até à terra que lhe havia sido indicada, para entregar a tal mensagem. Perante este nobre acto de inquestionável humanidade, o senhor das longas barbas brancas, que tudo sabe sobre toda a gente, resolveu recompensá-lo no Natal com algo de que ele gostava muito mas a que nunca tivera acesso. Só quando, por mero acaso, resolveu mais tarde verificar que mensagem era aquela tão importante que deveria ter entregado, é que se apercebeu que se tratava de uma folha em branco. Regressou à sua terra natal sozinho, é verdade, mas com a memória bem preenchida por pensamentos doces e ainda bem recentes. Para além de ter feito uma viagem de volta muito mais agradável do que a de ida, por via do luxuoso Porsche Cayenne com que ainda foi presenteado. É claro que o senhor das longas barbas brancas nunca lhe chegou a revelar que a tal da beldade era, nada mais, nada menos, do que a velhota que o acolhera, devidamente camuflada por uns truques de magia que só ele domina. Para quê estragar a experiência do bom rapaz. Afinal de contas, ele provara ser merecedor do que vira. E o que vira naquela noite, para sempre lhe ficou gravado na memória. FIM
(Continuação) Recolheu as pernas de modo a esconder as partes íntimas e sobre ele debruçou-se aquela visão, fazendo-lhe chegar a toalha seca. Pelo seu decote algo pronunciado, que entretanto ficara a escassos centímetros dos seus olhos esbugalhados, conseguiu adivinhar um par de seios que deveriam ser a chave do paraíso para qualquer homem que se preze. Ergueu-se de seguida e perguntou-lhe numa voz doce se necessitava que ela o ensaboasse. Sentiu-se deveras tentado, mas achou por bem recusar. Afinal de contas, e segundo a sua educação católica apostólica romana, tinham-se acabado de conhecer. Ou não. Pois nem o nome dela sabia. O que não invalidava que, ainda assim, se visse impedido de ir mais além, num primeiro encontro. Antes de se afastar, tão sorrateiramente como aparecera, disse-lhe ainda que estava ali para o servir e qualquer coisa que pretendesse, era só pedir. Embasbacado com tamanha esmola, beliscou-se de seguida confirmando que estava, de facto, desperto. E bem desperto. Ele e não só. Pois algo mais lá para sul do seu corpo, mostrava-se igualmente entusiasmado com o aparecimento súbito daquela beleza divinal. Secou-se apressadamente e desta vez eram as suas roupas que faltavam. Procurava em seu redor, quando de novo ela surge perante si, desta vez segurando algumas roupas de homem nos braços. Só teve tempo de se cobrir com a toalha, antes de deitar a mão a um par de calças de ganga Marlboro, com o respectivo cinto de couro, roupa interior da Boss, uma camisa da Gant, uma camisola de lã da Burberrys, meias da Casa das Meias e umas botas Timberland, exactamente o modelo que ele andava a namorar há meses mas que, devido ao preço exorbitante, se via impossibilitado de comprar. Nem queria acreditar no que via. Ela voltou a desaparecer, ao que ele aproveitou para se vestir, admirado com o facto adicional de tudo lhe servir que nem uma luva. Como saberia ela quais os números que ele vestia e calçava? Teria andado a tirar-lhe medidas enquanto ele dormitara no alguidar? Parecia-lhe algo improvável, mas face aos acontecimentos mais recentes tudo se poderia esperar. Não deu importância ao assunto e dirigiu-se à sala, onde contava encontrar o belo espécime do belo sexo, na companhia da sua avó, tricotando uma qualquer peça em malha. Mas não. Junto ao lume de chão, deitada sobre um felpudo tapete e envergando um conjunto de lingerie minimalista da famosa marca Victoria's Secret, a beldade tomara a liberdade de, não só ter aberto uma garrafa de Moët & Chandon com que já preenchera dois flutes, mas também de livrar-se da velha desdentada. Um espanto de eficiência, a moça! (Continua)
(Continuação) Um alce mais afoito surgiu por entre o arvoredo e também ele parecia admirado com tamanha visão. As copas dos pinheiros eram casulos enormes de neve que neles se acumulara em grandes e pesados fardos. Retomou o passo e seguiu viagem. Ao longe, pôde distinguir o que parecia ser um pequeno amontoado de casas. Era-o, de facto. Estava perto da aldeia onde iria encontrar o lar de um velho senhor de longas barbas brancas a quem tinha de entregar uma mensagem. Das chaminés de todas as habitações, sem excepção, saíam baforadas de fumo que cortavam o ar gélido cá de fora, para logo se dissiparem. Uma imagem que logo lhe trouxe à memória o presépio que, todos os anos por esta altura, se erguia na praça central da sua terra natal. O rigor da época obrigava a que as lareiras se mantivessem em actividade grande parte do dia, mas principalmente no período da noite, mais frio por natureza. Ansiava por uma malga de sopa bem quente ou por umas quantas chávenas de café caseiro ainda a fumegar. Sabia que não lho recusariam, pois haviam-lhe dito que ali apenas vivia gente boa, de alma e coração. Apressou o passo e mal se aproximou da primeira habitação, logo a escolheu para tentar abrigar-se um pouco e retemperar algumas das forças, entretanto perdidas. Nem teve de bater com os nós dos dedos gelados uma segunda vez na maciça porta de madeira. Aberta, esta revelou uma senhora de tez enrugada, cabelo cor da neve e tronco curvado, que se apoiava a custo numa bengala tosca de pau ao mesmo tempo que se cobria com um longo xaile, que quase a tapava por inteiro. Sorriu, deixando ver uma boca quase ausente de dentes, e, mal viu o aspecto lastimoso em que ele se apresentava, logo o convidou a entrar na sua modesta habitação. Mal a porta se fechou atrás deles, pôde sentir a agradável mudança de temperatura que logo repôs alguma cor à sua face. Convidado a tirar as roupas húmidas, há tempo demais coladas à pele, foi-lhe ainda sugerido que tomasse um banho quente para tentar normalizar a temperatura do seu corpo. Ainda hesitou, mas acabou por aceitar a generosa oferta da velha senhora. Aquecida a água em grandes panelões no lume de chão da casa, esta foi seguidamente vertida numa espécie de pequeno alguidar que iria servir de improvisada banheira. A velhota afastou-se para o deixar à-vontade e após se libertar do resto das incomodativas roupas, entrou no alguidar onde o seu corpo gelado se foi adaptando à nova temperatura. Sentado e vencido pelo cansaço, em breve relaxava ao ponto de se deixar dormir. Fora uma longa e cansativa caminhada, sob condições climatéricas bastante agrestes, a que esta súbita e bem-vinda benesse punha cobro. Pelo que, dormir, era a consequência óbvia. Quando despertou, já a água estava morna. Tinham passado 45 minutos, que lhe pareceram 45 horas, e meio atabalhoado lá acabou por se aperceber onde estava. Reparou que não tinha onde se secar e quando se preparava para chamar a velhota, viu aproximar-se algo semelhante a uma miragem. Teria ele morrido e rumado directamente aos céus? Com uma toalha dobrada nos braços e envergando um longo vestido cor-de-rosa até aos tornozelos, chegava-se a ele a mulher mais deslumbrante que alguma vez vira. Os seus longos cabelos cor de trigo, olhos verde água rasgados num rosto de pele quase branca e feições semelhantes às de um autêntico anjo, faziam-no pensar se estaria efectivamente desperto ou ainda a sonhar o mais belo sonho de toda a sua vida. (Continua)