Breve canto desesperado
por migalhas, em 11.07.05
Julgou que, desligando o telefone, terminava por ali aquela longa e cansativa maratona. Uma eternidade de palavras azedas trocadas ao desafio, a que já esquecera a causa. Julgava que, assim, roía a corda a quem do outro lado se debatia com ele em argumentações sem nexo, apenas proferidas no calor da discussão. Mas nem uma mão cheia de segundos correu até que de novo se fizesse ouvir. O toque continuado, como um alarme que se manifesta em pedido de auxílio. A conversa, longe de estar finalizada, pedia continuidade no som repetitivo que pela exaustão iria dar lugar a mais um alô quase desesperado. Ergueu o auscultador, para logo o pousar. Por momentos, soou o silêncio. Um silêncio falso que de brevidade se preenchia, quebrado pela retaliação do invento de Bell. Levou as mãos à cabeça e suspirou fundo, tentando conter a fúria que aos poucos o tomava de assalto. Desta vez não cessava. Deixou-o tocar, centrando o olhar no aparelho em pose pensativa. Decidido, pegou-lhe. Do outro lado, uma voz asfixiada debatia-se para tentar soltar algumas palavras com sentido. Ousou falar, mas depressa se apercebeu de que ninguém o iria ouvir. Gritou, chamando pelo nome dela, no que parecia uma tentativa vã. Confirmada. Apenas sons soltos, a fazer lembrar uma briga de bar, onde peças de vidro indecifráveis se estilhaçavam no chão, afastando-o do auricular. A tensão crescia elevando-lhe os níveis de adrenalina. Sentia que algo de estranho se passava à distância daquela chamada. Ali tão perto, a seu lado. Quase lhe podia chegar, tocar, a tudo assistir. Faltava apenas ver o que os sons não lhe podiam esconder. Gritou por ela, vezes seguidas, até ouvir uma detonação e outra. Seguiu-se um silêncio diferente. Sepulcral. Como que a querer dizer-lhe que para sempre teria descanso daquele lado da linha. Que nenhuma outra tentativa de ligação seria tentada, pois não havia agora quem. Por longos minutos ficou de auscultador colado à orelha, já vermelha e dorida da pressão, ouvindo o continuado sinal de fim de chamada. Apenas pensava no tempo que perdera, que ambos perderam, em discussões que agora nada significavam. Ela partira e nem uma conversa tinham conseguido finalizar. Algo que em tempos era tão simples e que tão bem funcionava ao sabor da paixão que um pelo outro sentiam. Agora ela partira. Assassinada por um mercenário pago a peso de ouro para a silenciar. Pago por ele para a eliminar. E agora, escassos minutos volvidos, já lhe sentia a falta. Abriu a gaveta da sua escrivaninha antiga e empoeirada e dela tirou o seu revólver, com que se brindou com um disparo certeiro na têmpora direita. Fechava assim este círculo de morte por si iniciado. Tombado no chão da sala, expelia o líquido viscoso vermelho carregado que dele extraia a última prova da sua existência. Um final revisitado ou a consequência dramática dos nossos dias? Triste, por norma triste, sem explicações. Que essas escapam ao comum mortal.