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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Bateu asas e voou

por migalhas, em 20.05.05
Na retina ficou-me aquele corpo despedaçado. Vergado ao peso da morte que o colhera instantes antes. Imerso na multidão que o acompanhava, nem tempo teve de se esquivar ao embate. Um som seco e perfeitamente perceptível quanto aos estragos provocados, ecoou sonoramente pela enorme praça. Face à súbita ameaça, todos os outros debandaram de imediato e nem se aperceberam de que mais um dos seus os abandonava. No combate diário dos que se expõem e por isso enfrentam perigos assumidos. Inerte, desprezado e agora fora do baralho, era por todos esquecido como se nunca tivesse sequer existido. Já não contava, com ele já não contavam. Nada havia a fazer, senão deixá-lo entregue à sorte que, momentos antes, lhe fora madrasta. Marcado estava, que hoje seria o seu último dia, a sua última aparição pública com vida. Não mais esvoaçaria pela cidade, não mais pousaria observador nos beirais dos prédios, nos telhados, entupindo de caca algerozes e deixando furibundos os inquilinos que assim tinham de constantemente chamar quem os desentupisse. Terminados estavam também os seus raides aéreos sobre os transeuntes desprevenidos que, cá em baixo nas calçadas lisboetas, eram vítimas fáceis e impotentes das suas descargas fisiológicas. Iria deixar saudades? Nem tempo tivera de o saber, pois fora passado a ferro por aquele automóvel apressado, que nem se dignou a parar para se inteirar do seu estado. Mal passado, foi como ficou aquele pobre desgraçado. Menos um pombo a borrar a cidade de dejectos, menos uma ratazana com asas a sobrevoar de forma rasante as nossas cabeças. Este já foi. Para quando os próximos?