Sempre iguais
por migalhas, em 02.03.05
E não chove. Não cai uma gota. Acordo e todos os dias me chego à janela para observar, sem surpresa, mais um dia de sol. Os dias sucedem-se iguais, repetidamente inalteráveis, com o frio por denominador comum. Seco, é como se sente o ambiente. As árvores já estão em flor e tudo se precipita como que a querer antecipar o que seria suposto ainda estar para acontecer. Como se o tempo subitamente se adiantasse e nos fosse permitido vislumbrar o futuro. Estamos nós a atravessar um portal que nos coloca alguns meses à frente do nosso tempo? Estamos nós a viver o que estaria apenas programado para daqui a uns tempos? E se assim fosse? Se a cada dia que passa correspondessem dois meses, como se de um adiantamento se tratasse? Conseguiremos nós acompanhar? O tempo passar a dobrar, pouco me diz. Desde que não me obrigue a acompanhá-lo ao mesmo ritmo. Se ele pretende evoluir de forma exponencial, que não me arraste na sua companhia. Se me for permitido apenas olhar, antever o que está para ser, então fá-lo-ei, sem medo, mas deste lado do portal. Não tenciono avançar em fast forward quando o avanço em play normal já se equipara a uma corrida que todos os dias disputo. Os dias sucedem-se iguais. O sol está lá, agitando as suas ondas de calor. Que, por esta altura, são superadas pelo frio que se lhe impõe. O vento, a neve, esses ganham a corrida e nem necessitam de se esforçar por aí além. Da minha janela a todos vejo, todos os dias por igual. Numa vigilância permanente em que se revezam incansáveis. Não arredam, não dão lugar à chuva, impedindo o seu avanço. Não permitem as nuvens escuras e carregadas, que sobre nós despejam o líquido precioso que tudo faz crescer, que tudo alimenta. Assim o tempo antecipa-se ao próprio tempo e antes dele impõe a sua lei. Resta-nos o quê? Observar e atentar nos dias que à nossa frente se desenrolam iguais, sem segredos ou mistérios. Pois que o mistério dos dias somos nós que o criamos, na nossa cabeça. Ou nunca se aperceberam de que, embora sempre iguais, os dias apenas nos parecem diferentes porque somos nós que lhes incutimos variantes. Alterações, mudanças. Porque eles não mudam, são sempre assim. Dias, uns atrás dos outros. Que nós apenas seguimos e moldamos de acordo com as nossas tarefas. Ontem, hoje e sempre. Iguais.