Faça-se justiça à beleza da nossa capital e das suas sete colinas. De uma delas captei esta imagem, onde se pode avistar uma outra congénere ao fundo, mais precisamente aquela onde repousa o mui famoso e altaneiro castelo de São Jorge, hoje de todos nós. Das outras cinco colinas não tenho imagens, nem tão pouco conhecimento. Mas, diz quem sabe, que existem mesmo. O que vem dificultar a descoberta desta linda cidade àqueles que optam por pedalar num desses veículos sem motor a que se convencionou chamar de bicicleta ou aos outros que, na ausência de tal meio de locomoção, se reduzem ao acto de dar corda aos sapatos. Porque colina implica subir e descer, o oposto de um plano direito e sem obstáculos, propício a quem se desloca pelo seu próprio pé. Ainda assim, vale bem o esforço. Pois não se encontra outra cidade como esta em mais lado nenhum. Embora haja mais uma ou duas Lisboa, se não estou em erro, em todo o mundo. Mas que nada têm a ver com a genuína, com a original, com a única, com a nossa, hoje e sempre, Lisboa menina e moça.
Nunca fui muito dado a confusões. Aliás, sempre me lembro de fugir aos ajuntamentos, aos aglomerados, em resumo, às multidões. Há quem defenda que dois é bom, três já é demais, o que assino por baixo, sem hesitar. Claro que existem excepções. Jantares de confraternização, idas - embora que esporádicas - a discotecas ou a bares, celebrações especiais e outro tipo de eventos que, obviamente, requerem gente, muita gente. Ou então não se realizavam. Estão a ver uma festa de aniversário apenas com a presença do aniversariante e da sua cara metade? A isso dá-se o nome de comemoração íntima e, aí sim, mais do que dois já é uma multidão. Somos perto de dez milhões, mais coisa, menos coisa - ou melhor falando, mais pessoa, menos pessoa - e ainda conseguimos mexer-nos com algum à vontade neste pedaço de terra a que chamamos Portugal. Por vezes, basta pegar no carro e afastarmo-nos uma meia dúzia de quilómetros dos grandes centros cosmopolitas e já está. Ficamos apenas nós em comunhão com alguma da natureza que ainda resta. Já não será integralmente selvagem, como seria desejável, mas ainda assim conseguimos encontrar alguns refúgios naturais aceitáveis, relativamente perto e à mão, sem termos de partir em viagem para a Amazónia, também ela cada vez mais encolhida. Claro que, querendo relembrar ou matar saudades do inigualável rebuliço populacional, podemos sempre visitar um dos muitos centros comerciais ou hipermercados ao fim-de-semana, onde recebemos uma dose cavalar de confusão generalizada, o que, para uma pessoa tida por normal, dá para cerca de um a dois meses de imunidade garantida. Mas isso somos nós, que ainda somos relativamente poucos tendo em conta o espaço físico que possuímos. Veja-se, por exemplo, o caso dos chineses. Esses sim, devem debater-se com problemas bem sérios no que à confusão diz respeito. Só para terem uma ideia, na passada semana aquele país oriental atingiu o exorbitante número de um bilião e 300 milhões de habitantes! Acreditem que é verdade. Também eu me pus a fazer contas e logo desisti. São muitos zeros, é muita gente. Está certo que o espaço físico de que dispõem é incomparavelmente superior ao deste nosso cantinho à beira-mar plantado, mas, ainda assim, tem os seus limites. De tal forma se assemelham a coelhos - na desenvoltura reprodutiva, entenda-se - que o próprio governo viu-se obrigado a tomar medidas drásticas, limitando a um o número de filhos por casal. Embora polémica, esta lei, relativamente recente, já evitou o nascimento de outros 300 milhões de chineses desde que passou a vigorar. Ainda assim, parece-me complicado lá para aqueles lados conseguir-se estar um pouco a sós ou, no mínimo, apenas com mais uma pessoa. Será por esse motivo que os pobres chineses exibem constantemente aquela sua expressão aflitiva? Por já não saberem para onde se mexerem sem darem logo de caras com outros que, como eles, também andam com o mesmo problema? Quando por vezes ouço dizer que, em Portugal, andam pessoas a "monte", imagino aqueles pobres desgraçados, que não devem conhecer outra forma de estar. O espaço não estica, mas eles sim e de que maneira. Por isso não me admira se daqui por algum tempo, que prevejo que não seja muito, não estaremos a assistir à incursão destes activistas da reprodução em águas do oceano que os banha. E se tal se concretizar, o melhor é começar a pensar numa outra designação para esse mesmo oceano. Pois após a "invasão" dessa população em crescendo descontrolado, pacífico é coisa que ele, seguramente, deixará de ser.