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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Happy birthday

por migalhas, em 07.01.05
Ela fugia para aqui e para ali em sucessivas manobras de um arrojo tal, que só a luta pela sobrevivência poderia justificar. A verdade é que já nada daquilo me comovia. Não depois de ter andado livremente sobre o chantilly do meu bolo de aniversário como se de propriedade sua se tratasse. Isso eu não permitia. Aquele à vontade com que se mexe e remexe nas coisas alheias, sem autorização expressa do respectivo dono. Por isso, fiz-me a ela. Nada do que pudesse fazer agora me faria recuar nos meus propósitos. Tentava pisá-la, dar-lhe com o espanador, com o mata-moscas, mas a tudo se esquivava com uma ligeireza impressionante. O que me deixava à beira do desespero. Parecia até que se divertia com toda esta situação, num sorriso matreiro que escondia por trás de cada nova investida a que se safava. Recorri à inteligência, em vez de insistir no que até agora me trouxera apenas frustração, e fiz uso do aspirador. Porque não me lembrei logo disso? Liguei-o à corrente e deixei o seu poder de sucção tratar do assunto. Foi um instante. Em breve debatia-se no interior do saco, até então apenas povoado por cotão e pó acumulado de várias semanas. Queria vingança e por isso resolvi deixá-la ali, à sua sorte, naquele antro de sujidade. Agora iria pagá-las todas juntas. Iria pagar pela ousadia de invadir propriedade alheia, neste caso, o meu bolo de aniversário. A campainha da porta tocou. As visitas começavam a chegar. Uma após outra foram recebidas no hall e de imediato encaminhadas para a sala. No centro desta, numa mesa pomposamente decorada, repousava a estrela da noite: o meu bolo de aniversário. Orgulhosamente exposto a quantos nele repousavam os olhos, não por segundos, mas por longos minutos. Espantados, vidrados, incrédulos com a minha, até então, desconhecida veia para a confecção de autênticas obras de arte de pastelaria. Reunidos todos os convidados, que cuidadosamente havia seleccionado de uma vasta lista, chegou a hora de apagar as luzes e permitir-lhes entoarem em coro o tema adequado a esta ocasião. Vozes desafinadas, velas acesas, ansiedade ao rubro, foi com os pulmões em pleno que me fiz ao bolo. Soprado com a intensidade devida, o mesmo espalhou-se pelas vestes escolhidas a dedo de alguns dos convidados que haviam ficado na mira do chantilly. A tampa havia saltado ao bolo. E eu que pensava que a sua estrutura estava garantida. E estava, não fosse a interferência daquela maldita barata. Que aquando da sua passagem pelo dito bolo, resolvera deixar no mesmo uns quantos ovos que, logo agora, tinham de dar origem a milhentas amostras de nojentos descendentes daquela espécie. Saídos da casca, passeavam-se agora pela superfície do bolo, tal e qual o exemplo da sua mãe, quebrando a estrutura, até então coesa, do mesmo. Acesa, a luz da sala como que accionou o processo de repulsa natural pela visão. Agora bem afinados, os convidados vomitavam em uníssono na direcção da mesa que com tanta devoção me propusera a decorar. O bolo estava agora bem mais decorado. E possuidor de novos ingredientes, ainda quentes. A festa não foi o sucesso que eu esperara. Mas o bolo, esse, ficou bem nas fotografias. Até recebi os parabéns e tudo. Do senhor Martins, que me revelou as fotos.