Está tudo no olhar
por migalhas, em 24.11.04
Espanta-me olhar e nada verMas mais me espanta ver que nada há para olhar.
Observo apenas, vislumbrando que, à vista desarmada, nada se avista.
E nem sequer é da distância, pois essa está cada dia mais próxima.
Talvez seja do ângulo de visão, mas depressa reparo que tudo se deve a um golpe, não do destino, mas tão só de vista.
Num abrir e fechar de olhos, à mesma velocidade com que o diabo esfrega um olho, retomo o olhar fixo naquele horizonte frio e distante.
Em fundo toca uma velha melodia que diz qualquer coisa como: só tenho olhos para ti
Choca-me a imagem que faço mentalmente do apaixonado oferecendo à sua amada uma mão cheia de olhinhos, ainda frescos, acabados de colher de umas quantas carinhas larocas que, agora, deixaram de o ser.
Revejo o papel que me foi destinado e canso a vista com o tamanho diminuto das letrinhas com que escreveram o texto. Resolvo improvisar
Agora sim, não vejo um boi. Nem uma vaca, o que é salutar, atendendo à sua loucura. Já não se fala disso, mas com certeza continuam malucas, depois de todos estes anos.
Olho para um lado e para o outro, confirmo a ausência de veículos nas proximidades e atravesso na passadeira. Espero chegar ao outro lado. Se o conseguir, prometo enviar um postal. Só a dizer se estou bem ou se fiquei mal pois nunca se sabe o que nos espera do lado de lá. Ainda assim arrisco e resolvo-me a dar um passeio no lado selvagem. Quem não arrisca, não petisca e o meu mal é fome mesmo, por isso venham mais cinco! Agora tenho de ir. Eu sei que vos custa a todos, mas existem prioridades e necessidades são necessidades. Pelo que, as primeiras coisas, primeiro. Vou ali já venho, tá melhor assim? Vai lá vai, dizem vocês. E vou e vou. Mas deixo um recado: Não se deitem sem antes lavarem os dentes. Os patrões da Colgate e da Pepsodent agradecem. E se não querem que os bichos grandes vos mordam, não se esqueçam de deitar um olho por baixo das vossas camas, antes de as ocuparem por mais umas horinhas, ok?
Uma última olhadela à minha volta e volto a olhar o vazio.
Está aí alguém?
Nã, já devem ter saído todos.